Tribuna Ribeirão
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Neurociência da vida cotidiana (27): Exposição pré-natal à cocaína 

José Aparecido Da Silva* 

Variáveis ambientais podem afetar objetos físicos, tais como livros, níveis de ruído, poluição do ar, alimentos e indivíduos, bem como ambientes, como nos desastres ou catástrofes naturais. Naturalmente parece muito mais fácil manipular o ambiente que manipular a herança genética. Neste contexto, esperar que exista uma grande variedade de estudos demonstrando categoricamente a influência desses fatores é algo sempre presente. Estudos nessa linha de evidência, na qual o ambiente foi manipulado, têm focalizado ambientes nivelados, ambientes enriquecidos e ambientes empobrecidos; mas todos têm, ao contrário, revelados e destacados a importância dos fatores hereditários na variância dos indicadores, particularmente no QI na amostra estuda. Estudos sugerem que há, para além das complexidades de ambiente e genética, uma grande parceria entre a natureza e a criação. Ambas estão sempre envolvidas e interagindo de maneira complexa. Medidas amplamente usadas em psicologia, tais como as medidas do ambiente, mostram uma significativa e substancial contribuição da variabilidade genética. Neste contexto, apenas intensos e continuados estudos científicos e cuidadosa experimentação podem revelar tais complexidades. 

Estudos variados investigando os efeitos de variáveis ambientais sobre o desenvolvimento cognitivo, especialmente o QI (Quociente Intelectual) não são completamente estabelecidos, sendo amplo o debate acerca de quais são exatamente os seus efeitos. Uma das variáveis que tem atraído a atenção dos pesquisadores, devido aos seus impactos na juventude atualmente, é a exposição às drogas no útero. Mulheres grávidas que são viciadas têm sido presas , em alguns países, por serem enquadradas num categoria criminosa como “abuso fetal”. A legislação supõe que, em assim fazendo, poderia prevenir a mãe de usar drogas e prevenir prejuízos ao feto. Como muitas outras variáveis, o vício e o consumo de drogas, incluindo álcool, têm sido associados com muitas outras variáveis, incluindo um baixo QI.  

O Professor Lynn Singer e sua equipe têm publicado, ao longo dos últimos anos, uma série de excelentes trabalhos nos quais investigam sistematicamente a conexão e associação de exposições pré-natais às drogas, particularmente à cocaína, tanto com comportamentos infantis quanto com desfechos em adultos. Por exemplo, o estudo recentemente publicado na JAMA (Singer LT, Albert JM, Minnes S, Min MO, Kim J. Infant Behaviors, Prenatal Cocaine Exposure, and Adult Intelligence. JAMA Netw Open. 2024;7(5):e2411905) avaliaram se medidas físicas, neurocomportais e cognitivas de neonatos mediam a associação entre exposição pré-natal à cocaína _CE) e raciocínio perceptual, QI, de adultos. As principais medidas e desfechos considerados foram a circunferência da cabeça, a avaliação neurocomportamental, as Escalas de Bayley de Desenvolvimento Infantil, o Escore de Inteligência Infantil do Teste de Fagan, o QI de raciocínio perceptual da Escala Wechsler de Inteligência em Crianças, o Escore de Observação Doméstica para Mensuração do Ambiente e o Nível de Chumbo no Sangue. 

Tomados juntos, os resultados sugerem que os neurocomportamentos iniciais são marcadores de pior raciocínio perceptual em adultos após a exposição pré-natal a medicamentos, o que se manteve estável aos 4 anos de idade, enquanto a forte associação do ambiente doméstico ressalta o potencial de maleabilidade. Combinando marcadores físicos e comportamentais, estes podem, potencialmente, produzir algoritmos para identificar bebês que necessitam de intervenção, um processo de desafio contínuo no atendimento pediátrico. As associações da exposição ao chumbo e do escore de avaliação do ambiente doméstico com os desfechos analisados ilustram a associação adicional significativa dos determinantes sociais da saúde com a cognição. Desenvolvimento adicional de testes neurocomportamentais e cognitivos para bebês (como a Rede NICU Escala Neurocomportamental) e o escore da escala Fagan de Inteligência, para aumentar a confiabilidade e validade, associados a dados de neuroimagem do desenvolvimento cerebral e a resultados cognitivos em longo prazo, podem fornecer uma base para intervenções em populações de risco, além de alertas oportunos de saúde pública sobre teratógenos. Por sua vez, o Estresse tóxico e seus efeitos adversos intra uterino, e na primeira infância, no mínimo, podem prejudicar variadas formas de aprendizado, especialmente aqueles que demandam um elevado nível cognitivo. 

 

Professor Visitante da Universidade de Brasília* 

 

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