Tribuna Ribeirão
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Neurociência da vida cotidiana (20): Obesidade 

Dedico este texto ao Dr. Antonio Dantas Nobre, um sábio endocrinologista, conhecedor profundo da medicina baseada em evidências, da medicina amazônica, da medicina tradicional chinesa e das múltiplas facetas do comportamento humano. A nobreza do Doutor resplandece até no nome. 

 

José Aparecido Da Silva* 

A prevalência de obesidade e sobrepeso tem aumentado nos últimos anos. Levantamentos recentes revelam que mais que 2 bilhões de adultos foram considerados com sobrepeso e, destes, quase 1 milhão foram classificados como obesos. Considerando as pessoas jovens, foi estimado que aproximadamente 50 milhões de crianças e adolescentes, entre as idades de 15 e 18 anos, e, aproximadamente, 15% das crianças abaixo de 5 anos, foram classificadas com sobrepeso ou obesidade. Nesse ritmo de crescimento, espera-se que mais que 50% da população mundial alcançará valores de índice de massa corporal (IMC) críticos por volta de 2030. Por conta disso, esse aumento substancial na incidência das pessoas afetadas por sobrepeso ou obesidade tem se tornado um grande problema de saúde pública. A realidade é que o sobrepeso e peso são fatores de risco elevados para problemas cardiovasculares, diabetes e até desordens psicológicas e neurológicas, entre outras. Estudos publicados por Prickett et al (em Obesity Research & Clinical Practice, 2015, 9, 93-113) e por Favieri et al (em Frontiers in Psychology, 2019, 10, 2126) revisaram sistematicamente a existência e a natureza da relação entre excessivo peso corporal e funções executivas, considerando tanto estudos transversais quanto estudos longitudinais, visando extrair uma possível causalidade entre essas variáveis. Os estudos selecionados envolveram participantes obesos e com sobrepeso entre 5 e 70 anos, incluindo 63 artigos com delineamento transversal (considerando apenas um período etário) e 28 artigos com delineamento longitudinal (ao longo de um grande período de vida). As funções executivas analisadas foram: flexibilidade cognitiva, inibição, memória de trabalho, tomada de decisão e planejamento, solução de problemas. Estas revisões sistemáticas indicaram a presença de uma relação entre funções executivas e sobrepeso e obesidade. Todavia, os dados sugeriram uma tendência bidirecional nessa relação, o que pode ser a causa do fracasso das intervenções visando redução de peso. 

De acordo com esta última hipótese, as deficiências nas funções executivas são consideradas como a causa das atitudes inapropriadas para alimentar-se e representam um gatilho tanto para as desordens alimentícias quanto mudanças nos escores de índice de massa corporal (IMC). Interessante observar, também, que, nestas revisões, pobre desempenho nas tarefas de funções cognitivas também ocorreu em pessoas com sobrepeso e não, apenas, naquelas obesas. Também não ficaram muito claro nas revisões quais das funções executivas analisadas são mais afetadas que outras pelo sobrepeso ou obesidade, embora as revisões indicarem, robustamente, uma conexão poderosa entre processos cognitivos, especificamente funções executivas e excessivo peso corporal, destacando a importância de considerar a natureza da associação entre essas variáveis em estudos acerca do sobrepeso e obesidade. Ademais, estudos populacionais têm identificado, consistentemente, uma associação entre obesidade e dores de cabeça em geral, bem como, com enxaqueca, especificamente. O risco de doença associada a obesidade inclui tanto a enxaqueca crônica quanto a episódica, com obesidade ser estimada, especificamente, em aumentar o risco de enxaqueca em 40-80%, com esse risco aumentando com um crescente status da obesidade de peso normal a sobrepeso e, deste, a obesidade. Também, o risco da doença obesidade-enxaqueca é modificado pela idade, sendo maior naqueles em idade reprodutiva, no qual a idade em que dores de cabeça e enxaqueca são mais comuns e potencialmente mais incapacitantes. 

Por sua vez, a associação entre obesidade e dores de cabeça tensionais é menos robusta, sendo, esta associação, mais forte naqueles com dores de cabeça tensionais crônicas, quando comparadas a dores de cabeça tensionais episódicas. Neste mesmo raciocínio, hipertensão intracranial idiopática, desordem de dor de cabeça secundária e muito comum, é significativamente associada com obesidade, bem como, com processo de ganho de peso. As mensagens principais desses estudos podendo serem assim sumariadas: a) obesidade é comórbida tanto em enxaqueca crônica quanto em enxaqueca episódica; b) o risco de enxaqueca pode ser mais forte naqueles em idade reprodutiva; c) o risco de enxaqueca, em geral, aumenta com o tipo de aumento da obesidade, indo de normal a sobrepeso, chegando a obeso, d) se a relação obesidade-enxaqueca é dose-dependente à freqüência da dor de cabeça, ainda não está estabelecido, e e) obesos, com enxaqueca episódica, têm risco mais elevado de cronificação da enxaqueca do que os com enxaqueca episódica não obesos.  Importante lembrar que, como a relação de risco obesidade-enxaqueca é moderada, e tanto uma quanto outra são potencialmente modificáveis, médicos e pacientes devem estar conscientes de que estilos de vida saudável podem manejar com sucesso esta relação. 

Por outro lado, para comprovar as associações entre obesidade e os desempenhos neurocognitivos de memória, atenção e funções executivas, Lentoor e colaboradores (Obesity and Neurocognitive Performance of Memory, Attention, and Executive Function. NeuroSci 2022, 3, 376–386. https://doi.org/10.3390/ neurosci3030027) investigaram os efeitos do IMC nas principais tarefas do funcionamento cognitivo de atenção, memória e função executiva numa coorte sul-africana envolvendo um total de 175 mulheres de 18 a 59 anos. Os resultados  revelaram uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos, ou seja, os participantes que tinham um IMC correspondente à obesidade tiveram um desempenho ruim nas tarefas de medição memória, atenção  e função executiva em comparação ao grupo com peso normal. Assim considerando, quando comparados com participantes com peso normal, os resultados confirmam a existência de desempenho cognitivo reduzido em pessoas obesas em tarefas que envolvem planejamento, decisão criação, autocontrole e regulação.  

Em conjunto, esses dados sugerem que é muito importante para os clínicos tratar seus pacientes quando apresentando IMC acima da normalidade, ou em risco de se tornarem obesos, estarem conscientes das conseqüências da associação entre obesidade e disfunções cognitivas.  Estas associações devem ser consideradas com atenção e acompanhadas ao longo da história clínica do paciente. 

Professor Visitante da UnB-DF* 

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