Dedico este texto a todas as mulheres que afetiva e cognitivamente têm feito, na era contemporânea, este mundo ser muito menos violento do que o mesmo foi no passado. Este é um dado.
José Aparecido Da Silva
O Professor Dilip Jeste e colaboradores (Jeste DV, Palmer BW, Rettew DC, Boardman S. Positive psychiatry: its time has come. J Clin Psychiatry. 2015 Jun; 76(6):675-83; Jeste, D. V., & Palmer, B. W. (Eds.). (2015). Positive psychiatry: A clinical handbook. American Psychiatric Publishing, Inc.) têm brilhantemente, em vários trabalhos, apresentado uma visão geral da psiquiatria positiva, incluindo sua definição, breve histórico, constructos-chave aspectos biológicos e sua integração na psiquiatria infantil, adolescente e geriátrica e, também discutido e oferecido sugestões para a implementação da psiquiatria positiva na prática clínica e treinamento. Ademais têm destacado os resultados positivos de saúde mental e as Características Psicológicas Positivas (CPP), tais como, resiliência, otimismo e engajamento social que são associados com indicadores muito melhores de saúde objetivamente mensurados, incluindo maior longevidade e bem-estar subjetivo.
Uma premissa básica da psiquiatria positiva é que os traços psicológicos positivos se originam da avaliação individual do bem-estar subjetivo, sendo os mais fortes preditores deste último do que a própria saúde física. Traços são características de uma pessoa que descrevem o pensamento, personalidade, motivação ou como ela lida com outras pessoas. Neste cenário, tais traços têm mostrado impactar positivamente a longevidade, com efeitos maiores do que os fatores de risco já bem estabelecidos, como, por exemplo, o fumar, a hipertensão e a obesidade. A resiliência refere-se à pronta recuperação ou à adaptação positiva à doença e demais adversidades. Juntamente com o otimismo, associa-se a um menor fator de risco para a mortalidade independente das causas. O otimismo reflete uma tendência a esperar bons resultados. Tem sido estudado no contexto de sérias condições médicas, incluindo doença cardiovascular, tendo sido mostrado estar associado com menos estresse relacionado à doença, altas satisfação e qualidade de vida e baixa incidência de depressão, mais provavelmente em comportamentos saudáveis que os pessimistas O nível de aspiração pessoal e auto-eficácia do enfrentamento denotam as expectativas individuais em relação à eficácia em alcançar os resultados desejados.
No contexto de estresse de vida crônico, aspiração pessoal pode promover comportamentos adaptativos específicos e orientados para objetivos, além de auxiliar na manutenção desses comportamentos a despeito de estresse contínuo. O engajamento social refere-se a quão bem integrada uma pessoa está em sua rede social, incluindo o número e a qualidade de relacionamentos íntimos, freqüência da socialização e o grau em que alguém encontra prazer na integração e interação sociais. Espiritualidade e religiosidade referem-se ao grau em que as crenças pessoais, os pensamentos e os comportamentos focalizam tópicos transcendentes, tais como, significado da vida, crença num ser superior e poder ou nível de consciência. Especificamente, religiosidade é reservada para se referenciar à religião organizada, tendo uma conotação social, enquanto espiritualidade pode ser personalizada. Por sua vez, sabedoria, a despeito da variabilidade entre suas definições, os elementos comuns incluem comportamentos pró-sociais, tais como, compaixão, empatia e altruísmo, bem como, tomada de decisão social, compreensão, decisão, reconhecimento da incerteza, regulação social, tolerância a sistemas de valores divergentes, abertura a novas experiências, espiritualidade e senso de humor. Tem sido mostrado que uma maior sabedoria pode ser importante para a habilidade de idosos sobreviverem e se motivarem, a despeito de piora na saúde física.
Portanto as características psicossociais positivas têm sido associadas com desfechos de saúde objetivamente mensurados sejam eles capturados dos domínios da saúde física, mental ou espiritual. Na prestigiosa revista científica JAMA Psychiatry de 20 Março de 2024, Koga e colaboradores (Longitudinal Associations Between Optimism and Objective Measures of Physical Functioning in Women. JAMA Psychiatry. 2024 Mar 20:e235068) considerando a importância de identificar os fatores que contribuem para o funcionamento físico sustentado para a saúde e o bem-estar da população idosa e, especialmente, supondo que o funcionamento físico pode preceder e prever resultados de saúde subseqüentes, empreenderam um estudo, muito bem delineado, cujos objetivo principal foi avaliar a associação longitudinal entre otimismo e medidas de funcionamento em mulheres. Os participantes foram 5930 mulheres na pós-menopausa com mais de 65 anos recrutadas de 40 centros clínicos dos Estados Unidos. O otimismo foi avaliado no início do estudo utilizando o Teste de Orientação de Vida – Revisado. Por sua vez, o funcionamento físico foi medido em 4 momentos ao longo 6 anos pela equipe do estudo avaliando o desempenho através de 3 testes de desempenho: força de preensão, caminhada cronometrada e senta-levanta da cadeira.
Os dados sugeriram que em mulheres na pós-menopausa, no início do estudo, maior otimismo foi associado à maior força de preensão (força dinamométrica) e número de posições em cadeira, mas não com o tempo que cronometrado para caminhar 6m. Um maior otimismo no início do estudo também foi associado a manter um funcionamento mais saudável em 2 das 3 medidas de desempenho ao longo do tempo, incluindo menor declínio na velocidade de caminhada e no número de posições de cadeira que as mulheres poderiam realizar ao longo dos 6 anos de acompanhamento. Assim considerando que a Característica Psicológica Positiva, o otimismo, é modificável, o mesmo pode ser um alvo promissor para intervenções destinadas a retardar o declínio físico relacionado com a idade. Obviamente, trabalhos futuros devem explorar associações entre o otimismo com a manutenção de funcionamento físico em diversas outras populações.
Assim considerando, as intervenções, dentro da abordagem da Psiquiatria Positiva, devem visar a promoção do bem-estar e também prevenir e tratar as doenças mentais; arranjando objetivos pessoais, praticando otimismo e usando a força de caráter para enriquecer o bem-estar e aliviar os sintomas depressivos.
Professor Visitante da UnB-DF*