Tribuna Ribeirão
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Neurociência da vida cotidiana (17): Educação 

Texto dedicado ao Dr. Marco Antônio Arruda, brilhante e inteligente neurologista educacional, que nos ensina a aprender como quando crianças 

José Aparecido Da Silva* 

Visitando algumas escolas de ensino fundamental e médio, e adentrando, aleatoriamente, em algumas classes, constatei alguns fatos reveladores. Vamos a eles. Numa aula de matemática, estudantes estavam resolvendo exercícios para correção no dia seguinte enquanto o professor, em sua mesa, corrigia provas. Em outra aula, agora de português, os alunos liam Machado de Assis e, ao serem questionados sobre a leitura, um deles me respondeu que o trabalho mais longo que conseguira escrever sobre tal autor somara duas páginas. Ao que retruquei, “E o mais longo de todos, para além de duas páginas quando foi?”. Ele, prontamente: “No último ano, tive que fazer um resumo de cinco páginas, na recuperação”. Por sua vez, em outra classe, numa aula de História do Brasil, perguntei o que os alunos sabiam acerca da personagem histórica Tiradentes. O silêncio foi sepulcral. Numa aula de Ciências, observei que os alunos faziam uma prova de eletricidade e magnetismo. Solicitei uma cópia do teste e verifiquei que todas as questões eram de múltipla escolha. Na sequência, a caminho da minha da minha sala, na UnB, pensativo, fiz duas questões: 1ª) Qual a diferença entre o que vi nesta escola e o que vi naquela em que, há mais de 50 anos, eu estudei?; 2ª) Será que os estudantes estão sendo adequadamente preparados para a vida e para o ambiente de trabalho de hoje? 

Frequentemente, ouço de colegas, professores, educadores e políticos, baseados na sabedoria atual, que as escolas de hoje estão fracassando. Entretanto, o que, de fato, eu vejo, não é muito diferente do que vi 50 anos atrás, ou mesmo, do que vivenciei quase 50 anos atrás, por ocasião do meu início na carreira acadêmica: nada melhor, nem nada pior. Exatamente mais testes e mais ensino dos testes. No mundo de hoje, globalmente competitivo, numa economia de conhecimento, será que as habilidades necessárias para seguir uma carreira, adentrarem nas universidades e tornarem-se cidadãos estão sendo fornecidas a todos os estudantes? Entendo que não. O fracasso em ministrar aos estudantes as novas habilidades, demandadas no novo século, deixa os jovens estudantes, e, por consequência, A grande Nação Brasileira, numa grande desvantagem competitiva. As escolas nada mudaram… a despeito de o mundo ter se revolucionado. Portanto, nossas escolas não estão fracassando, mas, sim, estão obsoletas, mesmo aquelas que têm pontuado bem em testes padronizados. 

O que existe é uma grande lacuna global entre o que é ensinado, atualmente, nas escolas e o que é demandado no mundo contemporâneo. Para mim, trabalho, aprendizagem e cidadania no século XXI demandam duas grandes, e fundamentais, habilidades: “Como pensar?”, habilidade que envolve raciocinar, analisar, ponderar evidências e solucionar problemas, e, “Como comunicar-se efetivamente?”, habilidade que envolve usar eficientemente as linguagens escrita e oral para transmitir claramente conceitos, ideias e ações entre indivíduos e equipes. Estas não são mais as habilidades que apenas as elites, numa sociedade, devem dominar. Tornaram-se essenciais à sobrevivência de todos nós. 

Assim considerando, pensar sobre fatos científicos, formular hipóteses, testar, analisar resultados, pensar sobre números, bem como, comunicar-se efetivamente, ter curiosidade pela descoberta e exercitar o pensamento crítico são competências e hábitos essenciais da mente para a vida do século XXI. Por isso, nossas escolas precisam mudar. Antes que elas se tornem desnecessárias.  Educação é, essencialmente, uma ciência cognitiva, contudo, o campo da educação tem uma história complicada enquanto disciplina científica. Atualmente, tanto estudiosos, quanto a mídia, têm destacado disparidades nos escores das avaliações internacionais por parte dos estudantes brasileiros, os quais, usualmente, situam-se entre os piores avaliados nas mesmas, para não falar do quão distante os mesmos estão dos estudantes das nações economicamente mais desenvolvidas. A consequência disso? Discussões trazerem à tona a natureza da ciência da educação e suas práticas escolares baseadas em evidências científicas. Concomitantemente, tem havido um crescente interesse na possibilidade de a neurociência cognitiva poder conectar educação, aprendizagem e cérebro de um modo, até então, não estudado. De fato, é enorme a carência nas escolas, em conhecer como o cérebro funciona quando estamos aprendendo. E neste contexto, são muitos os professores ansiosos por conhecer os benefícios da neurociência para seus estudantes. Por adição, nos laboratórios de neurociência, um considerável progresso em entender o desenvolvimento cognitivo determinante das habilidades essenciais ensinadas pelos educadores, como, por exemplo, letramento e numeramento têm ocorrido. Entretanto, é grande a lacuna entre neurociência e educação a ser transposta. 

Nos livros The Learning Brain – Lessons for Education” (2005), Cognitive Neuroscience and Education: Not a Gap to Be Bridged but a Common Field to Be Cultivated (2023) e Contributions of Neuroscience to Educational Praxis: A Systematic Review (2023) especialistas destacam a importância de ancorar a educação em evidências baseadas na neurociência. Partindo da ideia de que o cérebro tem evoluído para educar, e ser educado, sem esforço e instintivamente, afirmam que, entender os mecanismos cerebrais que subjazem à aprendizagem e à ensinagem, poderia transformar as estratégias educacionais, capacitando-nos a delinear programas educacionais que otimizam a aprendizagem para pessoas de todas as idades e necessidades. Argumentando que é vasta, atualmente, a quantidade de pesquisa sobre o cérebro, os autores confirmam sua relevância direta para a prática, e a política, educacional. Entretanto, devido à falta de interação entre educadores e cientistas do cérebro, a mesma nunca tem sido plenamente efetivada, o que gera o fato de atravessadores estarem vendendo, aos educadores, fabulosas mágicas cerebrais. Com isso, pelo menos duas razões podem emergir dos esforços de reunir neurociência e educação: a primeira sendo a imensa boa vontade que professores e educadores, sentindo que há potencial para fazer descobertas importantes sobre aprendizagem humana, têm em relação à neurociência, para com elas contribuindo com ideias e sugestões; a segunda, que, talvez, não sejam os neurocientistas os mais bem posicionados para se comunicarem com professores de maneira contínua; neurocientistas precisam, antes, conhecer o real ambiente de ensinagem para, só então, levantarem hipóteses sobre o mesmo a serem investigadas em laboratório. 

Em resumo, analisar mecanismos concretos que possam avançar o estudo da mente, cérebro e educação é algo que poderá beneficiar tanto educadores quanto neurocientistas cognitivos, os quais ganharão novas perspectivas para posicionar, e responder, questões cruciais sobre o cérebro aprendendo. 

 

Professor Visitante da UnB* 

 

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