Esta homenagem é dedicada à Dra. Eunice Maria Lima Soriano de Alencar, Professora Emérita da UnB, Brasília, DF, por seus estudos pioneiros sobre processos criativos, gênios, altas habilidades, inteligência e superdotação.
José Aparecido da Silva*
Pesquisadores em criatividade podem ser agrupados em duas grandes tradições de pesquisa: uma abordagem individualista e outra sociocultural. Cada uma delas tem seu próprio foco analítico e cada uma define criatividade de forma levemente diferente. A abordagem individualista estuda uma única pessoa, conquanto esta esteja engajada em comportamento ou pensamento criativo. Esse enfoque estuda os traços das pessoas criativas, bem como, a maneira destas pensarem, perceberem e relembrarem. A definição individualista de criatividade refere-se apenas às estruturas e processos que são associados com uma única pessoa. Assim considerando, criatividade é uma nova combinação mental expressa no mundo. Decompondo essa definição encontramos três elementos essenciais. Primeiro, criatividade é o novo, ou seja, o elemento mais básico de um pensamento, ou ação, criativos é que ele seja novo e original. Segundo, criatividade é uma combinação que envolve dois, ou mais, pensamentos e conceitos que nunca foram combinados antes. Terceiro, criatividade é expressa no mundo, ou seja, os pesquisadores de criatividade não podem estudar o que eles não podem ver. Por definição, criatividade tende a excluir ideias que estão na mente de uma pessoa e nunca são expressas, ou que nem podem ser vistas ou entendidas. Por outro lado, a definição sociocultural explica como estudar grupos criativos que coletivamente geram inovação, estruturas e processos dos sistemas social, cultural e organizacional. Desta forma, criatividade é a geração de um produto que é julgado ser novo e também apropriado, útil ou valorizado por um grupo social reconhecido. Assim, criatividade engloba o indivíduo e o contexto em que os pensamentos ou ações criativas ocorrem, o que promove definir Criatividade como um constructo multifacetado.
Gênios. Invenção? Talento? Criatividade? São constructos usados para descrever os níveis mais elevados do desempenho humano. Quando nos engajamos em comportamentos criativos, sentimos que estamos desempenhando no pico de nossas habilidades. Trabalhos criativos dão-nos insight e enriquecem nossas vidas. Criatividade é parte do que nos faz humanos. Para explicá-la temos que considerar uma vasta amplitude de comportamentos criativos, incluindo pintura, desempenho sinfônico e dramático, comicidade, desenhos animados, cinema, vídeos musicais, teoria matemática, ciência em todos os seus domínios, estilos musicais, animação computacional, artes finas, escrita, escultura e muitas outras. A neurociência cognitiva fundamenta-se sobre dois velhos métodos. O primeiro envolve estudos de lesões, isto é, estudos de como as habilidades cognitivas mudam após um trauma cerebral debilitante que afeta apenas uma parte local do cérebro. Lesões que seletivamente danifica o cérebro resultante de acidente vascular cerebral (AVC), traumas provocados por acidentes variados, tais como de trânsito, guerras, esportivos, entre outros. Um grande problema com estes estudos é que as lesões indiscriminadamente afetam uma variedade de regiões cerebrais. O segundo método é inserir eletrodos através do crânio e adentrar ao cérebro de um animal experimental. Deste modo, eletrodos podem detectar exatamente quais neurônios são ativos.
Os métodos de imageamento cerebral, atualmente disponíveis, para além dos estudos de lesões ou eletrodos, permitem aos estudiosos examinarem cérebros normais e saudáveis, engajados em tarefas de interesse previamente designadas. O Eletroencefalograma (EEG), a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) e a Ressonância Magnética Funcional (fMRI) têm sido usados em alguns estudos para identificar diferenças entre grupos de pessoas, desde que haja um número suficiente para extrair média de imagem estatística em cada grupo. Os dados de alguns estudos sumariados por Sawyer (The science of Human Innovation: Explaining Creativity, 2012; ver também, Saggar e colaboradores, Creativity and the brain: An editorial introduction to the special issue on the neuroscience of creativity. Neuroimage. 2021) têm permitido examinar diferenças na atividade neuronal entre pessoas que têm tido escores elevados em testes de criatividade e as pessoas com escores baixos. Em outras palavras, as análises têm sido feitas entre cérebros criativos e cérebros não criativos. Em analisando treinos em música, em artes e em dança, estudos acerca do imageamento cerebral revelaram que pessoas com treinos em música, em artes e em dança pensam diferentemente daquelas que não possuem tais treinos. Ademais, depreende-se que muitas regiões do cérebro são ativas quando as pessoas são engajadas em tarefas criativas. Acrescente Sawyer que quando as pessoas são engajadas em tarefas criativas, as mesmas áreas cerebrais que são ativas são aquelas também ativas em muitas tarefas cotidianas. Criatividade é baseada em processos cerebrais cotidianos, comuns, não numa parte distinta do cérebro.
Concluímos usando as palavras do neurocientista português Antonio R. Damasio (2001, p.59): “Criatividade não pode ser reduzida simplesmente à circuitaria do cérebro de um adulto e muito menos aos genes por trás de nossos cérebros”.
Professor Visitante da UnB-DF*