André Luiz da Silva *
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Há memórias que se guardam na alma como rosas desabrochando no coração. Foi assim que gravei o dia em que caminhava com minha saudosa mãe, pela rua General Osório, bem defronte a Praça Carlos Gomes, quando um homem se aproximou dizendo “Ofereço a você, madrinha, esta rosa”. Por um instante, pensei ser algum parente distante. Mais tarde, descobri que aquele homem singular era Manoel Negrão Azevedo, dono de um inusitado “avião” que ganhava as ruas da cidade em sua campanha política.
O tal avião não passava de um carro Landau adaptado, mas com ele, Negrão atravessava estradas e conquistava corações, chegando até Guatapará, então parte de Ribeirão Preto. Em 1977, tornou-se o terceiro vereador negro da Câmara Municipal e participou da 8ª legislatura que foi até 31 de janeiro de 1983. Sempre atribuiu sua vitória a três elementos simples: o avião, as rosas e sua honestidade – virtude que, segundo ele, trouxe perseguições políticas e testes de integridade, mas nunca o fez vacilar.
Nascido na Fazenda Guataparazinho, aos 11 de outubro de 1930, parte de sua infância foi ao lado dos cinco irmãos na chácara Palma Travassos, onde hoje é o estádio do Comercial. Começou a trabalhar muito cedo para auxiliar à mãe Isoldina Ponciana Azevedo que cuidava da casa e ao pai Martimiano de Azevedo, que pai perdeu a visão. Entregou marmitas, vendeu frutas, trabalhou na serraria e, como funcionário público no Sandu (Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência). Em um episódio marcante, diante da dificuldade de encontrar uma borracharia aberta de madrugada, decidiu criar a primeira borracharia 24 horas da cidade – um ato de empreendedorismo visionário que causou resistências, mas prosperou. Também foi o criador do primeiro Clube de Boxe de Ribeirão Preto, ao lado do irmão Ezequiel e revelou sua habilidade no 9 de Julho Futebol Clube.
Negrão era um homem de ideias – e coragem para realizá-las. Sua forma de tratar as pessoas, chamando-as de padrinho e madrinha, era um tributo àqueles que, em momentos difíceis, lhes estenderam a mão.
Como vereador, enfrentou o preconceito de frente. Certa vez, ouviu uma funcionária perguntar: “Onde já se viu deixar um negro entrar na Câmara?”. Mas ele não se calou nem se curvou. Propôs projetos que tocavam diretamente as necessidades dos menos favorecidos, como banheiros na rodoviária, uma praia no Rio Pardo para aqueles que não tinham acesso aos clubes e até um marcador para garantir o peso correto do gás de cozinha. Lutava por justiça social e inclusão e cobrava mais união dos negros. Estudou direito por quatro anos e, em 2022 recebeu da Comissão da Igualdade Racial da 12ª Subseção da OAB/SP, o Prêmio Esperança Garcia.
Há alguns anos nos encontramos no cartório da Vila Tibério, quando ele acompanhava ao casamento de um familiar. Conversamos sobre política, direito e as coincidências de nossas trajetórias. Falando em família Negrão Azevedo, teve quatro casamentos, 13 filhos, dezenas de netos e bisnetos. Neste ano, o destino me presenteou com a oportunidade de conviver com Tiago Negrão Azevedo, o filho caçula de Manoel, durante as manhãs de sábado na Rádio Nova Ribeirão. Foi um encontro que não apenas selou uma parceria, mas revelou uma afinidade especial, justificável pelo brilho que ele traz, tão semelhante ao legado de seu pai. Ali, entre conversas e microfones, percebi que as sementes plantadas por Manoel seguem florescendo em gestos, palavras e sonhos compartilhados.
Na última sexta-feira, 20 de dezembro, Manoel Negrão Azevedo, alçou seu último voo, partindo para a eternidade e deixando um lugar de destaque na história de Ribeirão Preto e no coração de todos que tiveram a especial dádiva de conhecê-lo.
* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista