O promotor de justiça Naul Felca é um ferrenho defensor da educação. Responsável pela promotoria que trata do assunto em Ribeirão Preto, ele integra o Geduc – Grupo de Atuação Especial em Educação.O Grupo surgiu em decorrência de debates junto à classe, que identificaram a necessidade de especialização da atuação em determinadas áreas, como segurança pública, saúde e educação.
Em função da complexidade e da recorrência de problemas envolvendo as diversas comarcas que compõem a base territorial de atuação do Grupo, Ribeirão Preto foi contemplado com um núcleo que abrange 22 municípios.
Este ano o órgão já contabilizou 310 ações contra a Prefeitura de Ribeirão Preto para que o município ofereça vagas às cerca de quatro mil crianças que estão na fila do cadastro único da Secretaria Municipal de Educação. Cada ação agrupa dez crianças.
Em entrevista ao Tribuna Naul Felca garante que as afirmações de que existem promotores extremamente midiáticos não procede. “O Ministério Público atua na defesa do estado democrático e da sociedade e a melhor forma de prestar contas de seus atos, até pela observância da transparência, é publicizar o trabalho e os resultados das medidas propostas”.
Tribuna Ribeirão – O Ministério Público da Educação e a Defensoria Pública anunciaram, em outubro, a judicialização de todas as inscrições feitas pela população em busca de vagas nas creches na Rede Municipal de Educação. Como está este processo?
Naul Felca – O processo de inclusão das crianças está finalizado e em tempo menor do que o agendado. Em esforço concentrado e inédito foram propostas ações pelo Geduc – Grupo de Atuação Especial em Educação – formado pelo Ministério Público da Educação e a Defensoria Públicaobjetivando a inclusão de mais de três mil alunos, aguardando-se a implementaçãodas vagas junto às creches.
Tribuna Ribeirão – Que ações específicas o Ministério Público cobra judicialmente da Prefeitura para viabilizar estas vagas?
Naul Felca – Trata-se de ação de obrigação de fazer, consistente na inclusão das crianças em creches públicas, conveniadas ou particulares, às expensas da Prefeitura, inclusive com o transporte, em sendo o caso, sob pena de multa diária. Esses últimos pedidos foram alternativos para dar maior eficácia e impedir o não atendimento pela Administração Pública.
Tribuna Ribeirão – O senhor constantemente “acusa” a administração municipal de descaso por não atender às solicitações do Ministério Público. A que o senhor atribui este descaso?
Naul Felca – Não saberia informar os motivos dos descasos, mas os fatos onde ocorreram foram relatados em todas as ações propostas. A exemplo da Escola Municipal de Educação Infantil Domingos Angerami, cujo laudo técnico confeccionado pelos engenheiros peritos do MP foi revelador da situação de risco potencial de incêndio na escola, entre outras gravidades. Também provocou que a Secretaria Municipal de Educação se manifestasse informando que estariam desenvolvendo esforços para obtenção de verba para reformas e serviu de fundamento para o Juiz de Direito conceder a liminar e determinar o fechamento daquela unidade escolar, com deslocamento dos alunos às expensas do Município.
Tribuna Ribeirão -A prefeitura afirma que tem trabalhado para zerar a falta de vagas. Como o senhor analisa esta afirmação?
Naul Felca – Discorda-se. Caso correspondesse à realidade não haveria fila de espera no Cadastro Geral Único, que amparou a propositura de ações. Enquanto o MP/GEDUC trabalha com a defesa dos direitos da educação, em regra da população mais vulnerável e pobre, ao que tudo indica em suas manifestações, a Administração Municipal atua com outra perspectiva. Para se ter uma ideia dos avanços em outros municípios abrangidos na base territorial do Geduc, além deles zerarem a fila de espera, já trabalham com a busca ativa de futuros alunos.
Tribuna Ribeirão – O Plano Municipal de Educação é alvo de críticas ferrenhas da Promotoria da Educação. Quais são as principais falhas dele?
Naul Felca – O estudo de impacto econômico-financeiro feito pela Prefeitura e que lhe serviu de fundamento para alegar a inviabilidade do projeto de 2015 não foi publicizado. Confeccionou-se o texto -base de 2018 unilateralmente e, só depois, foi submetido às audiências, contrapondo-se à exigência de construção plural e democrática.
As alterações não foram claras nem cotejadas com texto concluído de 2015 e muito menos justificadas de forma a acabar com qualquer dúvida. Esses e outros apontamentos foram explorados à exaustão na ação proposta, cuja liminar foi concedida em Primeiro Grau. Todavia ela foi suspensa pelo TJ/SP e cujo processo de discussão já se encerrou pelo cronograma da Prefeitura.
Tribuna Ribeirão – Em relação à qualidade dos prédios e segurança dos alunos e funcionários das escolas. A Promotoria tem feito fiscalização em todas as 109 unidades escolares?
Naul Felca – A Prefeitura apresentou, recentemente, um cronograma para as reformas e adequações das escolas e obtenção dos autos de vistoria do Corpo de Bombeiros até final de 2020. Em parceria inédita com o Crea- SP acordou-se, na mesma audiência, que até fevereiro de 2019 serão realizadas vistorias em todas as escolas públicas municipais para aferição das condições estruturais, elétricas e de uso de gás, visando garantir o mínimo de segurança aos alunos e à comunidade, com extensão desta medida aos 21 municípios da base territorial do Geduc e em mais de 100 escolas estaduais.
Tribuna Ribeirão – As escolas enfrentam um problema em relação às drogas e à violência em suas imediações. Como resolver estes problemas?
Naul Felca – Violência e drogadição são problemas complexos que exigem múltiplas intervenções por diversas vertentes, com ênfase na conscientização, prevenção, mediação de conflitos e atendimento dos envolvidos em rede, como áreas da saúde e assistência social, entre outras, além da policial.
Não há fórmula mágica, única e de eficácia absoluta, sempre lembrando a grande probabilidade de reiteração. São necessárias, portanto, ações multidisciplinares de longo prazo e políticas públicas eficazes, a exemplo do programa Geduc – Grupo de Atuação Especial em Educação – implantado em Ribeirão e construído por diversos setores da sociedade, Estado, Prefeituraem que são acionados os órgãos, imediatamente e via Internet, a partir da identificação da situação de vulnerabilidade da criança ou adolescente. Isso agilizou o acompanhamento e eventual intervenção, primordial nestas hipóteses, além de resposta ao órgão solicitante quanto às medidas adotadas.
Tribuna Ribeirão – Existem atualmente muitas críticas de que os pais estariam jogando para as escolas a responsabilidade de educar os filhos em temas que seriam de exclusividade dos pais, por exemplo, na área comportamental. Como o senhor analisa estas críticas?
Naul Felca – Essa transferência de certa forma, sempre ocorreu. Não justificando possíveis omissões dolosas. Todavia, atualmente a dinâmica da sociedade impõe aos pais uma rotina de trabalho exaustiva, bem como várias responsabilidades, o que muitas vezes os levam, até inconscientemente, a perderem a percepção da necessidade de contínuo acompanhamento da vida, criação, orientação e formação dos filhos.
É preciso discutir e repensar o modelo imposto e aceito pelos pais, sob pena de uma alienação cada vez maior, com reflexos os mais profundos junto aos filhos. Ademais é necessário a maior participação e envolvimento dos pais nas atividades e na rotina da escola, como na discussão dos problemas junto ao Conselho de Escola, na construção do Projeto Político-Pedagógico e o fortalecimento das ações do Conselho Municipal de Educação. O apoio da comunidade nesse sentido é de vital importância para obtenção de resultados positivos.
Tribuna Ribeirão – O senhor é favorável à discussão da questão de gênero nas escolas?
Naul Felca – Toda e qualquer abordagem cultural e formadora da personalidade deve ser realizada em ambiente protegido e capacitado, independente do que se discute no âmbito familiar, se é que isso é feito. E não há ambiente melhor preparado do que o escolar. O que pode haver é eventual correção de rumos da abordagem, todavia, sem qualquer patrulhamento ideológico e jamais o impedimento da discussão, pois o jovem procurará informação em outros meios não confiáveis, muitas vezes distorcidos. A liberdade de manifestação de pensamento e de cátedra devem sempre ser prestigiadas.
Tribuna Ribeirão – Seus críticos afirmam que o senhor “persegue deliberadamente” a atual administração municipal.
Naul Felca – Discorda-se. Deliberado significa proposital, o que jamais ocorreu. E perseguição não consta do dicionário e da atuação funcional do MP/GEDUC. O que pauta a ação do Grupo de Atuação é o previsto na Constituição e na Legislação, visando a fiscalização rigorosa dos entes públicos e particulares. É direito de todo processado se defender e não anuir com os termos da acusação. Agora, daí à alegação de suposta perseguição deliberada há uma distância abissal e inexistente.
Tribuna Ribeirão – Outra crítica que se faz ao Ministério Público é que existem promotores muito midiáticos. Que fazem de tudo para aparecer. Como o senhor vê este tipo de crítica?
Naul Felca -Esta é outra crítica infundada e com a qual se discorda. O Ministério Público atua na defesa do estado democrático e da sociedade e a melhor forma de prestar contas de seus atos, até pela observância da transparência é publicizar o trabalho e os resultados, reafirmando a liberdade da imprensa assegurando a inexistência de qualquer órgão sensor.
É direito da comunidade receber informação dos órgãos públicos e dever destes últimos em dá-las, salvo situações excepcionais. Eventuais excessos de membros do MP são sempre apurados pelos órgãos correcionais, aliás, muito atuantes.