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Não mutilemos a obra de Monteiro Lobato!

O ano de 2018 marcou os 70 anos da morte de Monteiro Lo­bato, ocasionando, de acordo com a legislação, o domínio público de sua obra, o que significa que qualquer um pode editá-la sem autorização prévia ou pagamento de direitos autorais.

Com o anúncio de que várias editoras estão preparando a reedição de suas obras, surgem algumas sugestões para que partes dos livros sejam modificadas, pois o autor teria laivos de racismo em sua obra, lida por várias gerações de adoles­centes de nosso país.

Monteiro Lobato nasceu no ano de 1882, na cidade de Taubaté, no Vale do Paraíba paulista. Formou-se em Direi­to na Faculdade do Largo de São Francisco, turma de 1904, iniciando sua carreira jurídica como promotor em Areias, naquele mesmo Vale.

Era pessoa irrequieta, insatisfeita com a vida, sempre procurando novidades, um visionário e realizador. Com a morte de seu avô, o Visconde de Tremembé, herdou a Fazen­da Buquira, para onde se mudou e onde começou a escrever contos publicados em jornais e revistas da época.

Em 1931, publicou seu primeiro livro dedicado às crian­ças, sendo assim o pioneiro desta literatura no Brasil. Como os livros eram todos editados na Europa, criou a primeira editora brasileira, privilegiando novos escritores nacionais.

Junto com seus livros infantis, que se multiplicaram e forma­riam a coleção “O Sítio do Picapau Amarelo”, escrevia sempre artigos e livros sobre problemas nacionais, sendo um dos pre­cursores da ideia de que o Brasil tinha petróleo em seu subsolo, que deveria ser explorado por brasileiros, tese combatida por forças internacionais, que não queriam o país como seu produtor. Chegou a arregimentar capital de acionistas para constituir as primeiras empresas exploradoras do combustível.

Um dos grandes problemas de analisar o passado é vê-lo com os olhos da realidade de nossos dias, ou seja, como a humanidade avança e os costumes se transformam, tendemos a considerar a realidade atual como aquela em que ocorreu o fato histórico observado.

A obra infantil de Monteiro Lobato foi escrita entre os anos 1930 e 1940 e contém, de fato, expressões que hoje se­riam consideradas politicamente incorretas, mas, que naquela época eram usuais e parecem mostrar tratamento coloquial e não ofensivo para com pessoas negras, retratando o relacio­namento entre brancos, pretos e pardos de então.

Podemos não concordar com suas colocações, mas, temos o di­reito de reescrever pedaços da obra do mestre da literatura infantil?

Tenho muito medo destas posturas de destruição ou mo­dificação do passado, prática que vira e mexe obscurece nossa civilização. Basta lembrar alguns momentos da história: quando o Imperador Constantino declarou o cristianismo como religião oficial do Império Romano, desencadeou um movimento de destruição de templos, estátuas, escritos, obras de arte que haviam sido elaborados na era clássica pagã, numa tentativa de erradicá -las e não permitindo que vivessem até nós.

Semelhante atitude foi tomada recentemente durante os anos imediatamente anteriores e durante a II Guerra Mun­dial, quando livros foram queimados e obras de arte destruí­das pelos nazistas. Mesmo nos dias atuais, o Estado Islâmico terminou de destruir as obras clássicas de Palmyra, na Síria, que escaparam da sanha dos cristãos romanos do século terceiro. A obra de Monteiro Lobato é patrimônio literário brasileiro. Vale criticá-la. Mas, nunca, permitir mutilações para atender a ditames passageiros do politicamente correto.

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