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Não ao complexo de vira-lata

Nelson Rodrigues falava, a propósito do “maracanazo”, que o brasileiro tinha um “complexo de vira-lata”. Seria um complexo de inferioridade, considerando sempre que o que se fazia ou produzia aqui era pior que o produzido ou feito no exterior. Todos já ouvimos expressões de louvor ao que é produzido lá fora e críticas mordazes aos produtos brasilei­ros. “Não dá para ir hoje ao cinema, o filme é brasileiro”… “O complexo vitamínico X é excelente. Eu trouxe dos Estados Unidos”. E por aí vamos…

No futebol as vitórias em cinco copas mundiais afastaram o complexo de vira-latas, talvez tenham até trazido o complexo in­verso, o de superioridade. A derrota acachapante por 7X1 contra a Alemanha jogou por terra essa pretensa superioridade e o risco é que voltemos ao complexo de vira-lata, o que seria lamentá­vel pois temos muito do que orgulhar em nosso País.

A própria Copa mostrou aspectos positivos reconhecidos em todo o mundo. Se jogadores e Comissão Técnica, que recebem salários milionários e vivem, na sua maioria, no exterior, não foram capazes de mostrar no campo o futebol que esperávamos, isso não diminui a grandeza do País em muitos aspectos, apesar do esforço de maus políticos e maus brasileiros em puxar no sentido contrário. Por coincidência, no mesmo dia do vexame futebolístico, conheci em Brasília o Hospital Sarah Kubitschek e fiquei admirado com a estrutura e o trabalho ali realizados.

O Sarah, fundado por Dr. Aloysio Campos da Paz, é reco­nhecido internacionalmente como um dos maiores centros de reabilitação no mundo inteiro. Sua estrutura, foi projetada pelo arquiteto carioca João Filgueiras Lima, o Lelé, parceiro de Oscar Niemeyer. Lelé, que nos deixou recentemente, aos 82 anos, se consagrou internacionalmente não só por seu trabalho em Brasília e pelo uso pioneiro de componentes pré­-fabricados. Na área da saúde deixou um legado pela ênfase nas preocupações sociais e no bem-estar dos pacientes em seus projetos de construção de hospitais.

Até ideias da medicina arabesca da Idade Média foram apanhadas por Lelé. O primeiro hospital a ser construído foi o grande Hospital de Bagdá, com preocupações na ventilação, iluminação e áreas de lazer. No Sarah estas preocupações são claramente percebidas. A vegetação bem planejada, as amplas e confortáveis áreas de circulação e os cuidados com a circu­lação de ar tornam o ambiente fresco, claro e alegre. Conheci Lelé na Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto.

Fiquei admirado com sua palestra e com seu livro: “Ar­quitetura: uma Experiência na Área da Saúde”, destaque do Prêmio Jabuti. As preocupações sociais e humanísticas de Lelé eram as mesmas de Aloysio Campos da Paz, o fundador do hospital, daí o ambiente diferente dos hospitais comuns que encontramos no Sarah. Cada funcionário contratado pelo hospital passa por um período de adaptação e aprendizado em relações humanas que pode chegar a oito meses.

Tudo isso torna o Sarah um hospital especial. Futebol nada mais é que um esporte, como tantos outros. Seria muito bom se tivéssemos ganho a Copa, mas, importante mesmo é ter coisas mais relevantes para nos orgulhar. O Sarah é uma delas. Craques importantes temos muitos, alguns ainda vivos, como Campos da Paz; outros, como Lelé, já se foram, mas deixaram motivos mais que suficientes para que não tenha­mos mais o “complexo de vira-lata”.

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