De todas as competições esportivas, a mais tecnológica – de longe – é o automobilismo. Hoje em dia, na Fórmula 1, a categoria mais alta, é difícil dizer onde termina a habilidade do piloto e começa a tecnologia presente nos veículos. “Existem mais de 300 sensores nos carros, que permitem à equipe tirar proveito de todos os tipos de informações, incluindo dados externos”, explica Geoff Willis, diretor de tecnologia da equipe Mercedes AMG Petronas Motorsport, campeã nos últimos cinco anos.
A temporada 2020, que deveria ter começado em 15 de março, com o Grande Prêmio da Austrália, em Melbourne. Mas por causa da pandemia do Covid-19, o calendário teve que ser todo reformulado, e pilotos e equipes só poderão estrear na próxima semana, no GP da Áustria. E para tentar manter sua hegemonia, a Mercedes contará com uma enorme capacidade de processamento de dados, que pode fazer a diferença nas pistas.
“Nós analisamos as condições de telemetria em tempo real, no qual os engenheiros podem ver a situação atual do sistema. Hoje, estamos adquirindo mais dados fora do carro do que dentro dele”, conta Willis. Sem poder contar com testes em campo o tempo todo (especialmente com a temporada suspensa) as equipes têm investindo mais em simulações na fábrica para replicar as condições da pista, testando todos os seus componentes em diferentes circunstâncias e depois replicando-os nas corridas. “Por semana, geramos entre 5 e 10 terabytes de dados. São muitos dados e é um grande desafio gerenciá-los, mas isso nos oferece muitas oportunidades”, completa o diretor de tecnologia da Mercedes.
Mercedes durante os testes pré-temporada 2020, em Barcelona. Imagem: Steve Etherington/Mercedes AMG Petronas Motorsport
Para o processamento desses dados, a equipe usa os softwares da norte-americana Tibco. São criadas mais de dois milhões de simulações de vários cenários de corrida – mudanças climáticas, safety car, acidentes e muitos outros – que geram um conjunto de dados para análise. A Mercedes usa esse desempenho digital para melhorar o desempenho no mundo real.
“Essas tecnologias permitem uma análise visual rápida e interativa da simulação do pré-evento, fornecendo resultados que nos ajudam a tomar decisões em tempo real. Somos muito dependentes de nossos especialistas e suas habilidades”, conta Willis. Mais de 100 engenheiros, estrategistas e líderes interpretam os dados em tempo real e seus históricos, para tomar decisões para a próxima corrida.
Essa análise do dado que está sendo coletado em tempo real com o histórico de corridas passadas ajuda equipe e piloto a tomarem as melhores decisões nos momentos certos. “Você tem o dado, o insight sobre ele, uma previsão para o futuro e a tomada de decisão, que gera um aprendizado e retroalimenta o sistema”, explica Márcio Arbex, diretor de Pré-Vendas da Tibco na América Latina.
O piloto Lewis Hamilton comemora seu sexto título no Grande Prêmio dos Estados Unidos. Imagem: Wolfgang Wilhelm/Mercedes AMG Petronas Motorsport
Mesmo durante uma corrida, dos dados que estão sendo coletados em tempo real passam por uma análise que os compara com informações passadas e podem, desde prever falhas até diagnosticar as condições do piloto. De acordo com Arbex, “no pit lane, dos seis engenheiros da Mercedes, três são treinadas pela Tibco para conhecer o sistema e tomar as melhores decisões com base nessas análises”.
“Um processo orientado por dados permite à equipe a capacidade de aconselhar o piloto e a equipe de pit sobre a estratégia de corrida, com base no quadro geral e nos mínimos detalhes”, afirma o Willis. Essa tecnologia é tão sensível que consegue complementar até o “feeling” dos pilotos na pista, como lembra o CIO da equipe, Matt Harris.
“Em uma corrida em Singapura, o Valtteri Bottas dizia que toda vez que passava pela ponte sentia um corte no motor. Ele disse que aconteceu nas duas sessões de treinos, mas isso não era percebido pelos engenheiros que viam aos dados ao vivo. Mas com os marcadores colocados pelo piloto, eles foram capazes de ver o que ocorria nesta parte específica da pista”.
Analisando os dados coletados pelo carro, os engenheiros encontraram um corte de 13 milésimos de segundo no acelerador, causado por um campo eletromagnético ao redor da ponte. “Bottas podia sentir isso. Assim, os engenheiros protegeram o sensor, impedindo outras interferências”, conta Harris.
Valteri Bottas no Grande Prêmio de Singapura, em 2019. Imagem: Wolfgang Wilhelm/Mercedes AMG Petronas Motorsport
A capacidade de responder à competição e alterar sua estratégia de corrida em uma fração de segundos só é possível com a ajuda de muita tecnologia. “A busca pela liderança é orientada por insights em todas as fases: design, configuração e durante uma corrida. Podemos aproveitar a inteligência artificial e os algoritmos de machine learning usando análises avançadas, como streaming, visual e predictive, para obter insights e abastecer os cientistas de dados para a tomada de decisões inteligentes”, afirma Willis.
Para se aprimorar continuamente, a equipe usa milhares de fontes de dados que informam sobre qualquer mudança no contexto, permitindo a identificação precoce de problemas e oportunidades que outras equipes ainda não encontraram. “Quatorze semanas antes de uma corrida, já começamos o trabalho”, afirma o estrategista chefe, James Vowles.
“Reunimos vários canais de dados do carro, às vezes 10 mil pontos de dados por segundo. Pode ser algo simples, como a água quente que atravessa o motor ou mais complexo, como o calor dos pneus em 32 locais de cada roda”, conta Vowles. Até dos adversários a Mercedes coleta dados – da maneira que conseguir. “Áudio, vídeo, GPS do motor… São cerca de 15 fontes de informações de todos os carros da corrida, e tentamos usar tudo isso para criar uma imagem de como estamos indo e o que eles estão fazendo”, completa o estrategista.
Pré-temporada da Mercedes em Barcelona. Imagem: Steve Etherington/Mercedes AMG Petronas Motorsport
Na próxima sexta-feira (3), a Mercedes volta às pistas depois de meses, e poder colocar o carro no torneio para valer faz muita diferença. “As duas sessões de treinos livres da sexta-feira e a sessão final de treinos livres na manhã de sábado são essenciais para o desempenho no qualifying e na corrida”, conta Willis. Durante o treino livre, a equipe é capaz de equipar o carro com sensores a mais, adicionando peso, mas, fundamentalmente, aproveitando cada byte de dados do carro.
“No ‘qualifying’, removemos uma certa quantidade desses sensores para reduzir o peso, deixando no carro principalmente os sensores críticos para a corrida, como aqueles que monitoram os principais parâmetros de desempenho e confiabilidade”, explica o diretor.
O treino livre também é a oportunidade de correlacionar a vida real coma preparação pré-corrida nos simuladores. “É aqui que aprendemos o quão perto nossas simulações e análises de dados estão do resultado do mundo real. Certamente, muitos fatores externos, principalmente o clima, podem criar uma série de resultados diferentes e isso precisa ser incorporado à nossa análise em andamento”, afirma Willis.
Via Olhardigitial