A música e o futebol sempre caminharam lado a lado. Conheço uma pá de jogadores que gostam de cantar e também cantores que sonhavam brilhar nos gramados. Nos dias de hoje, é comum esse “sambarilove”, até o Neymar invade palcos com seu amigo, o pagodeiro Tiaguinho – não acho que ele cante samba, é uma correria e falta linha melódica. Essa geração acelerou o samba, já disse o mestre Paulinho da Viola. Eu continuo gostando do samba à moda antiga.
Fagner sonhava em ser jogador, tanto que até montou um time em Fortaleza que se chamava Beleza FC… Morando no Rio de Janeiro, aproximou-se de craques como Zico, de quem é compadre, e até batizou um de seus filhos, Virou super amigo de Sócrates, os dois sempre armavam uma pelada. Quando foi jogar no Corinthians, o Magrão até gravou um LP só de clássicos sertanejos e participou de gravações de vários amigos cantores.
Com Renato Teixeira, gravou “Vicente Pedra”, música em que brincavam com as confusões que Vicente Matheus dizia em entrevistas, como “Isso é uma faca de dois legumes”, “obrigado a Antártica pelas Brahmas que me enviou” e muitas outras. Com Toquinho, Sócrates gravou “Corinthians do meu coração”, em homenagem ao time de ambos.
Chico Buarque, quando menino, morava em São Paulo e ia ver o Santos jogar, time que tinha um centroavante de nome Pagão que o encantava com sua categoria, tanto que cresceu imitando-o em gestos e no jeito de correr. Certa vez, já famoso, foi conhecer Pagão, já aposentado, e confessou que era fã dele, o que deixou o veterano craque numa alegria só. Chico construiu um campo no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, e montou seu time, o “Politeama”, onde ferrenhos campeonatos são disputados. Lá jogam ex-craques e músicos apaixonados pelo esporte bretão.
Já contei aqui, mas acho que vale a pena rememorar. Certa vez, Reinaldo (apelidado de “Rei”), camisa 9 do Atlético Mineiro e da Seleção Brasileira, armou um jogo beneficente no Estádio Centenário, campo do América, em Belo Horizonte –é lógico que depois rolou aquele churrasco e muito chope. A partida seria entre os veteranos do Atlético Mineiro contra o time dos cantores. Fagner convocou seus artistas boleiros e levou Sócrates como reforço.
Hoje o estádio está maravilhoso, mas, naquela época, não era assim, as arquibancadas eram de madeira com alambrados de proteção. Fagner me contou no apê do Magrão, aqui em Ribeirão Preto, que foi a noite mais emocionante de sua vida. Ele ficou uma fera, pois Reinaldo colocou em campo os titulares do Atlético, ele dizia a Sócrates que o “Rei” o enganou, e o Magrão repetia a Fagner: “’Magrelo’ – era assim que o Doutor o tratava em campo –, os titulares querem apenas participar desta maravilhosa festa, sacou? Fique lá na frente que vou te enfiar umas bolas de três dedos.”
Começa o jogo, campo lotadaço, principalmente de torcida feminina querendo ver Fagner, Chico Buarque, João Nogueira, Carlinhos Vergueiro e outros cantores. De cara, os inimigos fizeram 1 a 0, e Fagner chiou: “Não te falei, Magrão, vão nos ensacar.” Sócrates, colocando panos quentes, dizia: “Fique lá na frente, ‘Magrelo’.”
Como uma premonição, enfiou uma bola de três dedos e Fagner, oportunista, fez o gol, empatando o jogo. Envolvido pela emoção, até subiu no alambrado –e a galera junto. Voltaram para o segundo tempo, o Atlético colocou os veteranos. O jogo estava 1 a 1, e numa outra bobeada da zaga adversária, Sócrates, em outro passe clássico, deixou Fagner na cara do gol, e ele fez de novo.
Foi aquela festa, bola rolando e a dez minutos do final, Sócrates enfiou uma bola açucarada pro Chico Buarque, que fez um golaço. Fagner disse que foi uma loucura geral, a torcida invadiu o gramado e carregou os artistas nos ombros. O jogo acabou antes da hora, mas a festa foi até o dia clarear.
Sexta conto mais.