A vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, diz que 90% do acervo queimou no incêndio da noite de domingo, 2 de setembro, e que a reconstrução do prédio custará R$ 15 milhões. O valor seria para a parte estrutural, uma vez que o que foi perdido é insubstituível, ressalva. Ela afirma que o orçamento vem caindo desde 2015, com contingenciamento de um terço do total, passando de R$ 514 mil para R$ 314 mil.
“Sobrou parte do acervo dos invertebrados, o setor de vertebrados e botânica. Foram retiradas algumas cerâmicas, peças minerais e os meteoritos, talvez uns 10%”, estima. “A gente estava preocupado com incêndios. Tivemos problemas de falta de verba e de burocracia.” Não havia porta anti-incêndio nem sprinklers. Os detectores de fumaça não funcionaram. A água nos hidrantes não era suficiente. Não havia seguro contra incêndio e o acervo também não estava segurado. A reconstrução do prédio deve demorar de três a quatro anos.
Cristiana Serejo ainda não tem informações sobre o fóssil de Luzia, o mais antigo das Américas. O crânio ficava numa caixa ainda não localizada. As múmias egípcias queimaram, assim como o setor de entomologia. Pesquisadores nutrem a esperança de que parte do acervo, justamente peças mais raras e valiosas, possa ter sido salva do fogo dentro de cofres e armários de aço especiais. Entre essas, está o crânio de Luzia.
O laboratório de paleontologia ficou intacto. A vice-diretora não arriscou traçar o futuro do museu. Ela disse que é possível que sejam reproduzidas imagens que foram incendiadas com impressoras 3D. Verbas serão pleiteadas não só junto ao governo federal, mas também com empresas e no exterior.
Um inquérito policial será instaurado pela Polícia Federal para apurar as causas e as responsabilidades pelo dano causado ao acervo e ao edifício do Museu Nacional, diz a Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria-Geral da República. O acervo de aproximadamente 20 milhões de peças foi praticamente inteiro destruído. O Grupo de Trabalho Patrimônio Cultural e o colegiado da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (MPF) lamentaram o ocorrido. Raquel Dodge disse que a população amanheceu de luto “pela grande perda para o patrimônio cultural brasileiro e mundial”.
A Subsecretaria de Proteção e Defesa Civil do Rio de Janeiro informou nesta segunda-feira (3), que mantém o prédio interditado. Técnicos do órgão fizeram nova vistoria no local e verificaram que existe grande risco de desabamento. Podem desabar trechos remanescentes de laje, parte do telhado e paredes divisórias. Na área externa, não há risco iminente, mas há problemas pontuais, como possível queda de revestimento, adornos e estátuas, o que provocou isolamento das fachadas.
O Palácio do Planalto anunciou a criação de uma rede de apoio econômico para viabilizar a reconstrução do Museu Nacional. Em nota, o governo informa que a rede será formada por entidades financeiras e empresas públicas e privadas. Compõem inicialmente essa parceria em prol da memória nacional a Febraban, Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Vale e Petrobras.
Nos últimos cinco anos, os repasses da União ao Museu Nacional do Rio de Janeiro encolheram mais de 30%, aponta levantamento feito pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) da Câmara dos Deputados. Em 2013, foram R$ 979 mil em pagamentos executados pelo museu, já em 2017 esse montante chegou a R$ 643 mil. Neste ano, esses repasses não chegam a R$ 100 mil. Em 2018, de acordo com o levantamento, foram utilizados R$ 51.880 para programa de bolsa de estudos e R$ 46.235 para outras despesas.
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), responsável pelo Museu Nacional no Rio, lamentou em nota o incêndio que começou na noite desse domingo (2) e destruiu o prédio histórico. “É a maior tragédia museológica do país. Uma perda incalculável para o nosso patrimônio científico, histórico e cultural.”
Ato contra falta de recursos
Manifestantes lotaram a Cinelândia, no Centro do Rio de janeiro, no fim da tarde desta segunda-feira (3), em protesto contra a falta de recursos para o Museu Nacional. O prédio histórico completou 200 anos em junho.
Funcionários entraram no meio das chamas
Um grupo de funcionários do Museu Nacional entrou no prédio em chamas na noite de domingo (2) para tentar salvar o que fosse possível do acervo de 20 milhões de itens. Segundo relatos, de 30 a 40 servidores, inclusive aposentados, entraram no imóvel durante o incêndio, que começou às 19h30 e deve permanecer em fase de rescaldo por mais dois dias, segundo os bombeiros.
A história do museu
O Museu Nacional do Rio de Janeiro reunia um acervo de mais de 20 milhões de itens dos mais variados temas, coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia e arqueologia. No local, estava a maior coleção de múmias egípcias das Américas. Ali também estava Luzia, o mais antigo fóssil humano encontrado nas Américas, que remete a 12 mil anos, e representa uma jovem de 20 a 24 anos.
No museu, havia ainda o esqueleto do Maxakalisaurus topai, maior dinossauro encontrado no Brasil. É a mais antiga instituição histórica do país, pois foi fundado por dom João VI em 1818 com o nome de Museu Real. É vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com perfil acadêmico e científico. Tem nota elevada nos institutos de pesquisa por reunir peças raras, como esqueletos de animais pré-históricos e múmias – divididos em coleções de paleontologia, zoologia, botânica, antropologia, arqueologia, entre outras.
O local foi sede da primeira Asse mbleia Constituinte Republicana de 1889 a 1891, ante s de ser destinado ao uso do museu, em 1892. O edifício é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O lugar já foi residência oficial da família imperial brasileira. Um dos mais importantes itens era um fóssil humano, achado em Lagoa Santa, em Minas Gerais, em 1974. Batizado de L uzia, fazia parte da coleção de antropologia.
Trata-se do fóssil de uma mulher que morreu entre 20 e 25 anos e seria a habitante mais atinga das Américas. Dom Pedro arrematou em 1826 a maior coleção de múmias egípcias da América Latina. São múmias de adultos, crianças e também de animais, como gatos e crocodilos. A maioria das peças veio da região de Tebas.
Outra preciosidade era o maior meteorito já encontrado no Brasil, chamado de Bende gó e pesa 5,36 toneladas. A pedra é de uma r egião do sistema solar entre os planetas Marte e Júpiter e tem mais de quatro bilhões de anos. O meteorito foi achado em 1784, no sertão da Bahia, na localidade de Monte Santo. Quando foi encontrado era o segundo maior do mundo.
A pedra integra a coleção do Museu Nacional desde 1888. Um pedaço do meteorito descoberto em 1967, em Santa Rosa de Viterbo, pelo jornalista Saulo Gomes, que reside em Ribeirão Preto, também estava no Museu Nacional desde 2014.
Ministério destinará R$ 10 mi
para reformas emergenciais
O Ministério da Educação vai destinar R$ 10 milhões para reformas emergenciais do Museu Nacional, informou nesta segunda-feira, 3 de setembro, o ministro Rossieli Soares da Silva, que visitou o imóvel, na zona norte do Rio de Janeiro. Outros R$ 5 milhões serão disponibilizados depois, para a realização do projeto de reconstrução do prédio. “A reconstrução do prédio deve demorar de três a quatro anos”, estimou o ministro.
Paralelamente deve ocorrer a recomposição do acervo, na medida do possível. Só para o projeto serão necessários de seis a dez meses, estima o ministro, contados a partir da contratação do serviço. Questionado sobre as condições precárias do prédio e a culpa pelo incêndio, Rossieli afirmou que os maiores cortes na pasta da Educação ocorreram antes da atual gestão.
Ele afirmou contar com a cooperação de entidades internacionais, como a Unesco, que deve enviar especialistas para acompanhar os trabalhos emergenciais. O Conselho Internacional de Museus divulgou nota expressando pesar diante do “devastador incêndio que destruiu o Museu Nacional, o maior museu de história natural da América Latina e a mais antiga instituição museológica do país. “Lamentamos a perda da coleção inestimável, que incluía itens importantes de história natural, mineralogia, paleontologia, arqueologia, num total de 20 milhões de itens”, informou.
Em nome da comunidade internacional de museus, a nota diz que este domingo foi “um dia negro não apenas para o patrimônio brasileiro, mas também para o patrimônio mundial”. Além disso, o conselho se colocou à disposição para ajudar com toda a expertise necessária para ajudar o museu a superar o desastre.