A população brasileira é predominantemente feminina: é composta em 51,6% por mulheres, segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. No setor automotivo, em 2019, a mulher teve uma representatividade ainda tímida, com quase 20% de atuação, segundo o estudo Diversidade no Setor Automotivo, feito pela Automotive Business, em parceria com a MHD Consultoria.
Neste cenário, a maior parte do trabalho feminino está concentrada nas áreas de produção e manufatura (47%). No entanto, elas estão à frente na formação profissional: as mulheres que atuam na indústria automotiva apresentam formação mais completa que os homens: 33% delas têm ensino superior e 8% possuem especialização.
Muitas ocupam cargos, que antes, eram destinados somente para homens. É o caso da operadora de raspagem de pneus, Érica Reginato, 40 anos, que trabalha na empresa do Grupo, Stéfani Pneus, em Jaboticabal (SP), no setor de recapagem. Trabalhando num cargo, que era ocupado sobretudo por profissionais do sexo masculino, a operadora diz que já ensinou, inclusive, vários homens a operarem a máquina de raspagem de pneus.
Porém, no começo, ela conta que houve preconceito por parte dos colegas de trabalho que achavam que ela não iria dar conta. “Cheguei a ouvir alguns comentários de desconfiança, do tipo: ‘não falou que dava conta, então faz aí’”. Mas, segundo ela, com o tempo, o cenário de desconfiança cedeu espaço para um ambiente amigável e de muito respeito. “Temos aqui uma relação de amizade e companheirismo. Tem tanta gente que nos vê como sexo frágil e, cada vez mais, mostramos que não. Eu amo o que faço”.
Para Érica Reginato, não há restrições na sua profissão, mas sempre toma alguns cuidados, pedindo ajuda quando é necessário. “Eu não troco a lâmina e não abro onde fica armazenado o pó da borracha dos pneus. São coisas que acabam me limitando. Talvez, seja pelo meu tamanho, 1,57m de altura”, brinca.
Érica começou sua vida como doméstica, realizou um curso de Técnico de Administração, entrou no Grupo Stéfani Ribeirão Diesel como auxiliar administrativa, passou pela área de qualidade, mas foi como operadora de raspagem que se encontrou.
“Antes de engravidar, eu era responsável pela qualidade local. Passado o período de licença maternidade, quando voltei a trabalhar, pude escolher entre a qualidade e o administrativo, mas optei por voltar à produção, porque é o que eu gosto de fazer”, comenta. Para ela, não ter limites é a chave para o sucesso e a satisfação profissional. “Se você quer, você pode alcançar qualquer coisa”.
Força e coragem
A profissional Valéria Lima, 35 anos, também atua na área de raspagem, na Ribeirão Diesel Pneus, unidade de Bauru, e relata uma história de superação e conquistas. Solteira, perdeu os três filhos: trigêmeos, ainda em processo de gestação. Antes, Valéria vendia marmitas fitness.
“Parei de fazer as marmitas para trabalhar no posto de roletagem – a cereja do bolo, na área de pneus”. É ela quem, depois de todo o processo de recapagem, insere a banda no pneu, que deve ficar alinhada no acabamento final. Como limitação do seu trabalho, assim como no caso de Érica, Valéria comenta que a única diferença dela para os homens, é a força física, já que, em muitos casos, lida com equipamentos pesados: 15, 20 e até 30 kg – dependendo do modelo da banda.
“Trabalho com mais 12 homens e um ajuda o outro em nosso setor. Temos uma relação de parceria, respeito e profissionalismo”, descreve.
Vendas em alta
Com experiência sempre no setor de vendas, Roseli Lemos Torres, 56 anos, atua na área automotiva há mais de 30 anos. Atualmente é gerente comercial da Stecar América. Ela acredita que a força das vendas se deve muito às mulheres. “Nas concessionárias, é notório o aumento feminino nas áreas de vendas, gerência, administrativa. As mulheres são maioria”, descreve.
Formada em Pedagogia, Roseli entrou no mercado automotivo em 1986, em uma concessionária da marca Volkswagen, em Araçatuba (SP). Há 15 anos no Grupo, foi supervisora de vendas da concessionária Itacuã Volkswagen e atualmente coordena uma equipe de vendas com 15 profissionais.
A paixão pela profissão e por atuar em um mercado que, antes era liderado por homens, a fez continuar na carreira. “Estou aposentada há alguns anos e não consigo encerrar o ciclo. Amo meu trabalho e me relacionar com as pessoas diariamente me faz sentir cada vez mais uma mulher feliz em sua carreira profissional”, conclui.
Pagar salários diferentes é crime
Pagar salários diferentes para homens e mulheres que ocupam um mesmo cargo em uma empresa é proibido por lei. A advogada Najla Ferraz, presidente da Comissão da Mulher Advogada da 12ª Subseção da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, explica que a CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas promulgada em 1943, no artigo 461, garante que trabalhadores com função idêntica, exercendo tarefas para o mesmo empregador, no mesmo município, com igual produtividade e perfeição técnica, devem receber salários iguais. Proibindo qualquer distinção de sexo, nacionalidade ou idade.
Segundo Najla isso não é suficiente para acabar com a desigualdade salarial. “Infelizmente não é. Deve haver incentivo em políticas públicas e institucionais junto às empresas para que a equidade salarial exista. O Poder Público também tem que ser eficaz na fiscalização. Só há o conhecimento de irregularidades quando a trabalhadora foi dispensada”, diz.
Najla nota que ainda vivemos em uma sociedade “extremamente machista”. “Ocorre o preconceito e discriminação entre os gêneros desde uma simples piada até o assédio moral/sexual no ambiente de trabalho”, finaliza.