Após audiência nesta terça-feira, 30 de julho, com os quatro presos na Operação Spoofing, suspeitos de invadir celulares de autoridades, o Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal pediu instauração de inquérito para apurar os relatos de maus-tratos e se houve crime de abuso de autoridade. O juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara da Justiça Federal do DF, negou o pedido, mas concedeu a cópia dos depoimentos prestados, para que o MPF possa estudar um novo pedido.
Agressões verbais e psicológicas foram descritas por Gustavo Henrique Santos e Suelen Priscila Oliveira, casal preso em São Paulo. Além disso, eles e os outros dois presos, Walter Delgatti Neto, o “Vermelho”, e Danilo Marques, alegaram que viajaram algemados de São Paulo a Brasília, o que vai contra as regras do Supremo Tribunal Federal. Porém, os dois revelaram que estão sendo bem tratados. “Vermelho” ainda disse que confessou os crimes por livre e espontânea vontade, tanto no apartamento dele, em Ribeirão Preto, quanto na Polícia Federal em São Paulo e Brasília.
Tanto Gustavo como Suelen se disseram constrangidos em diversos momentos pelos policiais federais desde que a PF entrou na residência do casal. “Eu estava dormindo pelado e eles não deixaram, de jeito nenhum, eu colocar a roupa. Pedi para colocar cueca e não me deixaram. Fui, inclusive, constrangido a ficar nu em frente a uma policial federal por cerca de dez minutos. Pedi então, por diversas vezes, que queria ligar para meu advogado, para saber o que estava acontecendo. Eu disse que eles estavam confundido. Não deixaram eu falar com ninguém”, disse Gustavo Henrique Elias Santos, primeiro suspeito a depor.
Segundo Gustavo, foram praticadas agressões verbais diversas vezes, desde a entrada dos policiais em sua residência, localizada em Araraquara. “Desde o começo eu colaborei [com os policiais], mas fui bastante agredido verbalmente. Me chamavam de hacker; de bandido… diziam a todo momento ‘tá preso, perdeu’. Até então não sabia o que estava acontecendo. No aeroporto também fui tratado como verdadeiro bandido pela polícia”, disse.
As ofensas continuavam após a chegada na PF. “Ouvi muita piadinha dizendo que eu ia invadir [os celulares dos policiais] e que, por isso, eu não podia olhar para o nome deles [escrito na farda]. Realmente achei tudo isso muito desnecessário”, acrescentou Gustavo. Namorada de Gustavo, a suspeita Suelen Priscila de Oliveira disse também ter sido alvo de maus-tratos e de abusos. Chorando ao longo de boa parte do depoimento, ela disse que, além de ofendê-la, os policiais não a teriam deixado beber água, nem ir ao banheiro ou tomar banho.
“Passei frio durante toda a noite porque eles me deram apenas um travesseiro e uma toalha. Não deram absorvente nem papel higiênico. Prefiro morrer do que voltar para lá. Fui humilhada, mal tratada, e não pude beber água”, disse ela em meio a queixas sobre “piadinhas” e xingamento feitos pelos policiais federais. “Tive de tomar água do chuveiro, só quando já estava na penitenciária”.
Diante do relato, a defesa de Suelen conseguiu convencer o juiz a transferi-la à sede da PF no Aeroporto Internacional de Brasília. “O magistrado determinou que imediatamente Suellen saia do presídio onde se encontra e volte para a sede da PF no Aeroporto. Ela a todo momento dizia estar sendo mal tratada desde São Paulo. Acredito que vindo à imprensa essa situação não mais ocorra”, disse o advogado de defesa do casal, Ariosvaldo Moreira.
Preso durante curso – Danilo disse que não tinha a menor ideia do que estava acontecendo, no momento em que os policiais chegaram para prendê-lo. Ele encontrava-se em um curso de primeiros socorros, em uma empresa na qual pretendia trabalhar. “Eles me pegaram e me algemaram. Na hora achei que era brincadeira, porque o policial disse ‘perdeu… é a PF’. Isso pegou mal para mim. Não esperava isso”, disse. “Só na oitiva é que eu fiquei a par do que se tratava”.
Walter Delgatti Neto também não reclamou do tratamento dado pelos policiais. “Não sofri agressão física nem psicológica”. Ele acrescentou que em nenhum momento lhe foi negada a possibilidade de ligar para o advogado. Ao final dos depoimentos, o juiz Vallisney acatou o pedido dos advogados de defesa, para que tenham acesso ao conteúdo dos depoimentos já prestados, bem como o direito a um banho de sol por dia, algo que, segundo os investigados, não vinha sendo permitido. Diante das declarações de Gustavo e Suelen na oitiva, a Justiça Federal e o Ministério Público Federal pretendem averiguar o ocorrido junto à Polícia Federal. A PF informou que não se manifestará sobre o tema.
O juiz Vallisney justificou que seria “açodado” autorizar neste momento a abertura do inquérito, e por isso autorizou apenas o envio da cópia. De posse dos depoimentos, a Procuradoria-Geral da República vai avaliar um eventual pedido de instauração de inquérito por abuso de autoridade. A procuradora Márcia Brandão também pediu o envio do material à corregedoria da Polícia Federal para que investigue possível má conduta de policiais no caso. O juiz Vallisney concedeu em parte apenas as cópias, mas não aceitou a abertura de investigação específica para apurar o ato. Ele afirmou que o Ministério Público deve encaminhar para a Corregedoria o que quiser que seja apurado.