O Ministério Público Federal (MPF) denunciou nesta terça-feira, 21 de janeiro, o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept, e outros seis investigados no âmbito da Operação Spoofing, que apura invasão e roubo de mensagens de celulares de procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato e do então juiz Federal Sérgio Moro. Entre os denunciados estão Walter Delgatti Neto, o “Vermelho”, de 30 anos, preso em julho do ano passado no Edifício Premium, na avenida Leão XIII, no bairro da Ribeirânia, na Zona Leste de Ribeirão Preto, acusado de ser o mentor do grupo de hackers que invadiu contas de autoridades no aplicativo Telegram.
A denúncia também atinge Luiz Henrique Molição, de 19 anos, detido em setembro na casa onde mora, no bairro Primeiro de Maio, em Sertãozinho – fechou acordo de delação premiada e, por ordem do juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, cumpre prisão domiciliar e utiliza tornozeleira eletrônica, ao contrário de “Vermelho”, que segue preso. No que se refere à responsabilização de Greenwald, o MPF ressalta que o jornalista não era alvo das investigações. Ocorre que, durante a análise de um MacBook apreendido – com autorização da Justiça – na casa de Walter Delgatti, foi encontrado um áudio de um diálogo entre Luiz Molição e o jornalista.
A conversa foi realizada logo após a divulgação, pela imprensa, da invasão sofrida pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. “Nesse momento, Molição deixa claro que as invasões e o monitoramento das comunicações telefônicas ainda eram realizadas e pede orientações ao jornalista sobre a possibilidade de ‘baixar’ o conteúdo de contas do Telegram de outras pessoas antes da publicação das matérias pelo site The Intercept. Greenwald, então, indica que o grupo criminoso deve apagar as mensagens que já foram repassadas para o jornalista de forma a não ligá-los ao material ilícito”, diz o MPF.
Para o MPF, ficou comprovado que Glenn auxiliou, incentivou e orientou o grupo durante o período das invasões. Ainda segundo os procuradores, essa atitude do jornalista caracteriza “clara conduta de participação auxiliar no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos”. As sete pessoas foram denunciadas por crimes relacionados à invasão de celulares de autoridades brasileiras. São apontadas a prática de organização criminosa, lavagem de dinheiro, bem como as interceptações telefônicas engendradas pelos investigados.
A denúncia assinada pelo procurador da República Wellington Divino de Oliveira relata que a suposta organização criminosa executava crimes cibernéticos por meio de três frentes: fraudes bancárias, invasão de dispositivos informáticos (como, por exemplo, celulares) e lavagem de dinheiro. A peça não explora os crimes de fraudes bancárias. Nesse sentido, a finalidade ao citá-los é apenas a de caracterizar o objetivo dos envolvidos e explicar as suas ligações. Uma ação penal apresentada posteriormente tratará tais crimes.
As apurações realizadas esclareceram os papéis dos denunciados. “Vermelho” e Thiago Eliezer Martins Santos atuavam como mentores e líderes do grupo. O motorista de aplicativo Danilo Cristiano Marques, de 36 anos, era “testa-de-ferro” de Delgatti Neto – o apartamento na Ribeirânia onde “Vermelho” morava foi alugado no nome dele –, proporcionando meios materiais para que o líder executasse os crimes.
O DJ Gustavo Henrique Elias Santos, de 25 anos, era programador, desenvolveu técnicas que permitiram a invasão do Telegram e perpetrava fraudes bancárias. Já Suelen Oliveira, esposa de Gustavo, também de 25 anos, agia como laranja e “recrutava” nomes para participarem das falcatruas. E, por fim, Luiz Molição invadia terminais informáticos, aconselhava Walter sobre condutas que deveriam ser adotadas e foi porta-voz do grupo nas conversas com Greenwald.
Molição conheceu Walter Delgatti Neto na faculdade, em Ribeirão Preto, onde faziam o mesmo curso de Direito. Os presos foram denunciados pelos crimes de associação criminosa, invasão de dispositivos informáticos e interceptações telefônicas, informática ou telemática, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Caso também sejam enquadrados na Lei de Segurança Nacional, como defendem integrantes do Planalto, a punição pode chegar a 15 anos de prisão.
Sevandija
De acordo com trecho do mesmo documento que denuncia sete pessoas, entre elas o jornalista Glenn Greenwald, os investigadores encontraram, em um computador de Walter Delgatti Neto, dados da Operação Sevandija. A força-tarefa deflagrada em 2016 pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e pela Polícia Federal apurou fraudes e desvios na prefeitura de Ribeirão Preto, ainda sob a gestão da prefeita Dárcy Vera (sem partido).
A reprodução da tela do computador de Delgatti Neto mostra uma pasta com o nome do promotor Leonardo Romanelli, um dos responsáveis pela operação em Ribeirão Preto, além de arquivos que, no entendimento do MP, fazem referência a frentes de investigação como o caso dos honorários, esquema de pagamento indevido de honorários de uma ação movida pelo Sindicato dos Servidores Municipais que acabou resultando na condenação de pessoas como a ex-prefeita.
O representante do Gaeco disse que o acesso aos documentos não prejudicou o andamento processual da Sevandija, porque, hoje, os arquivos em sua maioria estão anexados às ações e são de conhecimento da Justiça de Ribeirão Preto. A apresentação da denúncia não significa que as pessoas apontadas pelo MPF sejam culpadas. O Judiciário ainda terá de analisar o caso e, se entender que há indícios de crimes cometidos, determinar a abertura do processo. Só então os investigados viram réus e, ao final do processo judicial, são absolvidos ou condenados.
O que diz a defesa e a repercussão do caso
A defesa de Walter Delgatti Netto e de outros denunciados na Operação Spoofing disse que as acusações são de cunho político, desprovidas de embasamento técnico. “Exatamente por isso a acusação está fadada ao fracasso, sobretudo por desrespeitar diversas garantias constitucionais e legais, afrontando, inclusive, grande parte da Doutrina Criminalista deste país”. Os advogados de Molição dizem que primeiro vão analisar a denúncia para se pronunciarem.
O advogado Rafael Borges, que defende o jornalista Glenn Greenwald, classificou de “expediente tosco” a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF). Segundo a nota, “MPF intenta desrespeitar a autoridade da medida cautelar” concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em defesa de Greenwald.
“Recebemos com perplexidade a informação de que há uma denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald, cofundador do The Intercept. Trata-se de um expediente tosco que visa desrespeitar a autoridade da medida cautelar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 601, do Supremo Tribunal Federal, para além de ferir a liberdade de imprensa e servir como instrumento de disputa política”, diz a nota.
A defesa do jornalista interpreta a denúncia do MPF como uma tentativa de “depreciar o trabalho jornalístico” feito pela equipe do site The Intercept Brasil, que divulgou as mensagens supostamente trocadas entre membros do MPF de Curitiba e o então juiz federal, hoje ministro da Justiça, Sérgio Moro. O caso ficou conhecido como “Vaza Jato”.
O procurador Wellington Divino Marques de Oliveira afirmou que não foi descumprida a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que havia determinado que o jornalista não fosse alvo de inquérito ou responsabilizado. Para ele, um diálogo entre Glenn e o hacker Luiz Molição, que firmou delação premiada, indica que “auxiliou, incentivou e orientou” o grupo responsável por invadir os celulares de procuradores da Lava Jato, do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e outros integrantes do Judiciário. O procurador afirma que Glenn Greenwald não foi investigado, e que, portanto, não foi descumprida decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal.
Repercussão – O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou a denúncia como uma “ameaça à liberdade de imprensa”. “Jornalismo não é crime. Sem jornalismo livre não há democracia”, escreveu. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também se manifestou e saiu em defesa de Glenn Greenwald, dizendo que o jornalista é “vítima de mais evidente abuso de autoridade contra a liberdade de imprensa e a democracia”.
Já o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), compartilhou a notícia da decisão da Promotoria e disse que “quem sabe (Glenn) vai conhecer a cadeia”. “Glenn Greenwald sempre disse que adorava o Brasil e queria conhecer o país a fundo. Quem sabe agora vai conhecer até a cadeia… talvez jogar futebol com o Freixo…”, postou.
O senador e ex-governador Álvaro Dias afirmou que “Glenn e seus comparsas têm grandes chances de puxar uma longa cana”. A deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), jurista e uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma Rousseff (PT), também defendeu a denúncia. “Sugiro àqueles que estão criticando a denúncia ofertada, no DF, a leitura das páginas 52 a 62 do documento, em especial os diálogos”, disse.
Outros políticos ligados à esquerda e à direita atacaram ou defenderam a decisão do procurador. A ex-deputada e candidata à vice-presidente nas eleições de 2018, Manuela D’Ávila (PCdoB) também classificou a denúncia como um ataque à imprensa. “A Polícia Federal após longa investigação declarou que Glenn não cometeu nenhum crime e que agiu com muita cautela. Estamos diante de um forte ataque à liberdade de imprensa!”, afirmou.
A Ordem dos Advogados do Brasil reagiu. Para a entidade, a peça do procurador “criminaliza a mera divulgação de informações”. A nota é assinada pelo Observatório da Liberdade de Imprensa da entidade. A OAB afirma acompanhar o caso com “grande preocupação”.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou nota em que considera a denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald uma violação à liberdade de imprensa. Na nota, a associação ressalta que, ao investigar o caso, a Polícia Federal não encontrou indícios de que Greenwald tivesse envolvimento nos crimes. “A conclusão está em relatório da PF de dezembro de 2019”, diz a nota.