Tribuna Ribeirão
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Movimentos identitários e identitarismo 

José Antônio Lages * 
 
Em evento para anunciar as ações do governo para proteção das mulheres no Carnaval, o governador Romeu Zema (Partido Novo), de Minas Gerais, disse que no Brasil, o “homem branco, heterossexual e bem-sucedido” é “rotulado de carrasco”. A fala do governador se deu enquanto ele tentava mostrar como a empresa da sua família seria inclusiva. Não nutro nenhuma simpatia pelo Zema, mas sua fala me obriga a voltar a um tema de que já tratamos aqui: o identitarismo. Fiz há alguns dias uma postagem provocativa nas minhas redes e achei interessante que as reações foram todas concordantes. Se alguém discordou, preferiu o silêncio. 
 
Eu iniciava a provocação afirmando que as pautas identitárias são importantes e vieram para ficar, mas que não são suficientes. Para quem não sabe, movimentos identitários nascem de grupos sociais que compartilham aspectos da sua identidade e, assim, possuem interesses, perspectivas e demandas em comum, no campo da etnia, gênero, orientação sexual etc. Seus membros reconhecem que o seu pertencimento é compelido por aspectos de sua identidade. Buscam visibilizar suas dificuldades e lutar por seus direitos. Já o identitarismo é a doutrina que reivindica a centralidade do processo social para estes movimentos. 
 
Muitos deles representam os interesses dos que, na sociologia mais tradicional, aparecem como “minorias”. Avanços democráticos devem muito aos movimentos identitários. A adoção de políticas afirmativas o comprova. Neste momento de extrema polarização política, as pautas identitárias se situam no campo da esquerda, talvez a sua grande novidade, e o que de mais progressista ela produziu nos últimos anos. Os polos, no entanto, se alimentam mutuamente e as pautas identitárias entram neste jogo radicalizando o embate político com a direita.  
 
Quando você acrescenta o “ismo” a alguma coisa, aí já temos uma doutrina, uma lei. Isso também acontece com os movimentos sociais que deram origem aos identitarismos que hoje temos. A partir do tradicional lugar de fala, costuma-se excluir todos que não se identificam com o respectivo pertencimento. Acredito que podemos admitir maior ou menor legitimidade, mas a tática exclusivista é suicida, na medida que exclui aliados, quando já não partem para uma verdadeira satanização da maioria, como escreveu Wilson Gomes em um brilhante texto na Carta Capital e que já comentamos em outro artigo. 
 
Um dos comentários à postagem que fiz me chamou a atenção: o identitarismo é munição para a direita! Corrobora o que já escrevemos. De qualquer forma, colocar as pautas identitárias na centralidade do processo social e político no campo da esquerda tem causado mais problemas e divisões do que soluções e unidade. Substituir a luta de classes pelas pautas identitárias na centralidade da luta social e política me parece um caminho equivocado. As pautas identitárias não podem se sobrepor às pautas progressistas que unem toda a esquerda, como a desigualdade de renda, o acesso à educação, moradia, transporte, direito a uma saúde pública e universal. São pautas que unem e não que dividem! 
 
O identitarismo já tem despertado grande interesse acadêmico e em várias outras áreas. Já encontramos uma produção substancial sobre o tema. Cito aqui “Armadilha da Identidade: raça e classe nos dias de hoje” de Asad Haider e “Contra o identitarismo neoliberal: um ensaio de poiesis crítica pela apologia das artes” de Rubens Romano Ricciardi. Aliás, Ricciardi é muito contundente nas suas críticas. Ele alerta que todos os movimentos de extrema direita na Europa surgiram de movimentos identitários e que o que se propaga hoje no Brasil não passa de importação dos Estados Unidos com claro objetivo de enquadrar os movimentos identitários no diapasão dos interesses do capitalismo neoliberal.  
 
Por isso que a fala do governador de Minas retrata uma realidade que não precisa ser aceita, mas que precisa ser entendida. O identitarismo, além de não ser suficiente, acaba favorecendo a extrema-direita que se alimenta exatamente das discussões de nível individual, morais, de bons costumes, de família, etc. É exatamente isso que o bolsonarismo quer e provoca todo o tempo: polarizar com as pautas identitárias porque vai ganhar apoio de grande parte daquela parcela da sociedade mais conservadora. E, da minha parte, vou continuar apoiando todos os movimentos identitários, se me deixarem. Porque acredito que eles podem avançar no aprofundamento da democracia social e política, sem necessidade do identitarismo. 
 
* Consultor técnico-legislativo e ex-vereador em Ribeirão Preto (Legislatura 2001-2004) 

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