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‘Mosul’ mostra a guerra sem os clichês das velhas narrativas

Por Mariane Morisawa – Especial para a AE

Quase 18 anos após a invasão do Iraque por tropas americanas, a guerra pode ter oficialmente acabado, mas deixou milhares de mortos, feridos e refugiados, e a situação no país ainda é instável. O cinema americano, porém, raramente mostrou o impacto do conflito no local, preferindo dedicar-se aos seus soldados em filmes como Guerra ao Terror (2008), de Kathryn Bigelow, e Sniper Americano (2014), de Clint Eastwood.

Mas Mosul, que foi exibido fora de competição no Festival de Veneza de 2019 e está na Netflix, é diferente por focar num grupo da tropa de elite local que combateu as forças do Estado Islâmico quarteirão a quarteirão na cidade que dá título ao longa, localizada ao norte de Bagdá.

“Fiz o máximo para não usar os clichês hollywoodianos”, disse em entrevista com a participação do jornal O Estado de S. Paulo o diretor Matthew Michael Carnahan, durante o Festival de Veneza de 2019. “Meu país está em guerra com o Iraque de alguma maneira desde que eu era adolescente, desde a Operação Tempestade do Deserto (início da Guerra do Golfo, em 1991). Então, quando este projeto veio para mim, não passou pela minha cabeça fazer de um jeito diferente do que fizemos.”

O projeto chegou às suas mãos por obra dos produtores Joe e Anthony Russo, mais conhecidos como diretores de filmes da Marvel como Vingadores: Ultimato (2019). Os dois leram um artigo do jornalista Luke Mogelson na revista The New Yorker sobre esse esquadrão de iraquianos que combateu o Estado Islâmico com táticas de guerrilha.

“Temos ansiedades e medos em relação ao mundo, como qualquer um”, disse Joe Russo. “E a mídia é uma arma poderosa. Dá para usá-la para reforçar estereótipos ou para rompê-los. Nossa intenção é rompê-los, contando uma história da perspectiva desses soldados iraquianos heroicos, usando todos os recursos de produção ocidentais porque eles merecem ter sua história contada ”

Em Mosul, um policial novato, Kawa (Adam Bessa), está cercado por membros do Daesh (nome local do Estado Islâmico) num café semidestruído pelos combates. Kawa é salvo pelo Major Jasem (Suhail Dabbach), comandante de um grupo da tropa de elite que está agindo por conta própria e resistindo à ocupação do EI, e imediatamente recrutado.

Segundo Carnahan, os Russo lhe deram carta branca para fazer o filme como queria. “Eles me disseram de cara: não se preocupe com o dinheiro nem com a burocracia. Foque na história, nos atores, na equipe.”

Praticamente todos os personagens são iraquianos ou curdos e falam suas línguas originais. Uma boa parte do elenco e da equipe também é de origem iraquiana ou curda – e não foi fácil de conseguir, já que o presidente americano Donald Trump tinha proibido a entrada de cidadãos de certos países nos Estados Unidos, incluindo o Iraque.

Para piorar, havia dificuldade também para a viagem de iraquianos para o Marrocos, onde Mosul foi rodado. “Rodamos o mundo atrás do maior número de pessoas da diáspora que pudemos encontrar”, disse Carnahan. “Eu sou um americano branco, queria me cercar do máximo de pessoas que tinham vivido alguma versão desses eventos, para que qualquer questão pudesse ser respondida ”

Carnahan tem consciência de que para a maior parte dos americanos o Iraque é o lugar dominado pelo horror de Saddam Hussein, pela guerra, pelas ações terroristas.

“Eu conversei muito com minha colaboradora, Zainab al Hariri, sobre como Bagdá é um dos berços da civilização e deveria ser tratado como tal, como Roma ou Cairo”, afirmou o roteirista e diretor. “E nós, americanos, somos pelo menos parcialmente responsáveis por isso. Não posso dizer que o mundo piorou sem Saddam Hussein. Acho bom que ele e seus filhos não estejam mais no comando. Mas não tem como achar que 30 anos de guerra valeram a pena.”

Para os atores, é um orgulho poder contar a história e mostrar o heroísmo de gente daquela parte do mundo. “Era hora de mudar a visão que se tem dos iraquianos”, disse Dabbach, nascido no Iraque e radicado nos Estados Unidos. “A maioria das pessoas lá só quer liberdade e ter uma vida normal.”

Os Russo esperam que contar a história sob outros pontos de vista fique cada vez mais comum. “Tivemos cem anos de perspectiva branca em Hollywood”, disse Joe Russo. “Conforme o mundo se globaliza, outras vozes vão conseguindo se inserir. É trágico que a primeira grande produção com elenco todo negro tenha acontecido apenas em 2018. Mas também foi lindo ver a reação a Pantera Negra. E isso reforça a necessidade de contar histórias sob diferentes perspectivas. Até porque existe uma raça apenas, a humana.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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