Morreu nesta quarta-feira, 13 de fevereiro, em seu
apartamento no Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro, a atriz e cantora Bibi
Ferreira, aos 96 anos. Ela teve uma parada cardíaca. Nascida Abigail Izquierdo
Ferreira, a atriz era filha do ator Procópio Ferreira e da bailarina argentina
Aída Izquierdo. Fez a estreia teatral ainda bebê, quando participou de uma peça
de Oduvaldo Vianna. Ao longo da longeva carreira, participou de peças no Brasil
e em Portugal. Pelos dados oficiais, Bibi Ferreira tinha 77 anos de carreira.
Mas a atriz e diretora estava no teatro havia muito mais tempo. Sua estreia
ocorreu ainda aos 24 dias de vida – quando foi levada à cena para substituir
uma boneca que havia sumido – e ela, desde então, esteve sob os holofotes.
Dizia adorar as luzes. E, fosse cantando, fosse representando, havia sempre um
próximo espetáculo nos planos de Bibi.
A carreira praticamente centenária, não lhe tirou, contudo, o nervosismo de
iniciante. “Sabe que eu ainda sinto uma angústia naqueles instantes antes
de entrar em cena? Aquele lugar, depois que você sai do camarim, e ainda não
está no palco. Aquele cantinho… É ali que eu sinto um terror”, ela
relatou em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, quando
completou 90 anos.
Falar com Bibi era estar diante do teatro brasileiro e de suas pequenas grandes
revoluções. Filha de Procópio Ferreira (1898-1979), ela carregava do pai o amor
pela cena e o pendor para o sucesso – a família vivia da bilheteria de seus
espetáculos e não podia se dar ao luxo de um fracasso. Mas, curiosamente, foi
Bibi uma das primeiras a suplantar o modelo de atuação que Procópio
representava. Considerado o maior artista de seu tempo, ele reinava soberano
quando as cortinas se abriam. Em cena, fazia o que bem queria, ajustava os
textos ao seu talento, relegava todos os outros ao lugar de coadjuvantes.
Tratava-se de um tempo em que o diretor não passava de mero ensaiador e todo o
público estava interessado, unicamente, em ver o primeiro ator brilhar.
Bibi era filha da tradição (do teatro de comédia e do teatro de revista, onde
trabalhara sua mãe), porém representante da modernidade. Nos anos 1940, tudo
começava a mudar. O Teatro Brasileiro de Comédia chegava com novas ideias: o
ator precisava decorar os seus diálogos, haveria um encenador que decidiria a
concepção das montagens, sofisticava-se o repertório. A jovem Bibi se alinhava
a essa corrente. À sua presença arrebatadora, acrescia uma técnica rara para os
padrões da época. Ainda menina, integrou o Corpo de Baile do Teatro Municipal
do Rio de Janeiro e, em 1946, foi estudar na Royal Academy of Dramatic Arts de
Londres. Ao voltar, surpreendeu a crítica com sua primeira direção em Divórcio
(1947) e fez ainda mais sucesso com a encenação de A Herdeira, de Henry James
(1952).
Na sala do apartamento onde morava, no Rio, a atriz guardava um retrato
emoldurado do pai. Mas não creditava apenas a ele as lições aprendidas. Era
descendente de cantores líricos: “Meus bisavós se conheceram no coro do
Teatro Solis, de Montevidéu”, contava. “E minha avó, filha deles, já
acordava cantando árias de ópera. Cantava o dia inteiro”. Bibi também
cantava o tempo todo. E cantava sem perceber. Parecia que cada lembrança de sua
vida era acompanhada por uma canção, que ela desfiava a melodia como se fosse
parte da história a ser contada.
Foi no teatro musicado, aliás, que Bibi deixou sua maior contribuição. Será
lembrada por suas grandes atuações no gênero, como em My Fair Lady, (1964) e em
O Homem de La Mancha (1972) – ambos com Paulo Autran. Outra parceria profícua
na carreira ela estabeleceu com seu quarto e último marido, Paulo Pontes. Dele,
dirigiu o musical Brasileiro: Profissão Esperança, obra de imenso sucesso, e
protagonizou Gota D’água (1975). A peça escrita por Pontes e Chico Buarque deu
à atriz a oportunidade de viver uma personagem de coloração trágica. Talvez
Joana tenha sido sua mais memorável interpretação – ninguém nunca superou sua
versão para aquelas canções e ela ainda sabia, 40 anos depois, seus diálogos de
cor.
Bibi dizia que o segredo da saúde era a vida regrada. Não fumava, não bebia.
“Não que eu seja contra”, ela justificava. Mas seus vícios eram
outros: Um par de sapatos sempre muito altos – para compensar a baixa estatura
-, batom sempre vermelho, um copo de Coca-Cola, que ela ia tomando devagarinho
enquanto conversava, e o trabalho. A grande atriz não pensava em parar. Ela
ainda precisava voltar a viver Piaf, tornar a cantar Frank Sinatra, viajar pelo
mundo. Estar sempre e mais uma vez no palco.