A primeira moringa que adquiri foi quando trabalhava no Mato Grosso do Sul, em Aquidauna, junto ao povo Terena. Quando bebo água dessa moringa primeira, sinto o mesmo sabor de anos atrás. Como vocês sabem, as moringas são muito fiéis no gosto da água. Por gostar de água com vários gostos é que mantenho minha coleção desses seres do barro. A função de qualquer uma delas é reservar uma boa água fresca para dessedentar os trabalhadores e s trabalhadoras do campo e da casa.
O barro e a terra molhada nos permitem experiências sensoriais inusitadas. Nas charnecas, por exemplo, podemos nos embrenhar lamaçal adentro e sentir a sucção de solos movediços. Nas veredas, podemos ser surpreendidos com cachos avermelhados repletos de buritis. Nas margens do riozinho judiado próximo à sua casa, pode haver terra apta para fazer esse tipo de vaso bojudo com gargalo estreito.
As moringas, as quartilhas, as bilhas – como queiram chamá-las –, nos contam de inúmeros lugares úmidos desse chão brasileiro. Acredito que poucos de nós já adentraram a um pátio nos fundos de uma casa simples para conhecer sua confecção. É uma experiência singela. Me recordo das milhares de bilhas ocupando todo quintal de Seu Zé Pedro em Tracunhaém, cidade oleira da Zona da Mata pernambucana.
O Dia Mundial da Água é comemorado todos os anos em 22 de março. E neste ano eu convido vocês para comemorarmos de um modo diferente: pensemos naqueles e dentre eles, nós próprios, que choram pelas mortes decorrentes da pandemia de covid-19. O luto é importante, pois jamais devemos banalizar a morte. Isso seria um descaminho antropológico.
Atravessamos, inquestionavelmente, uma das piores tragédias da nossa história. Junto ao extermínio sistemático dos povos indígenas desde 1.500 e à interminável escravidão dos negros e pobres desse país, soma-se à nossa triste história, as milhares de mortes que ocorreram e que ocorrerão pelo novo coronavírus.
O que nos trouxe até aqui? Ora, meus amigos, vocês todos sabem a quem atribuir as responsabilidades por tantas mortes, tamanhos sofrimentos e inúmeras sequelas. Não se trata de procurar culpado(s), sr. Rodrigo Pacheco –presidente atual do Congresso Nacional –, mas de responsabilizar os ocupantes de cargos públicos, pelas consequências de suas falas equivocadas, de suas omissões diante de fatos e orientações técnicas e de suas decisões contraproducentes. Nós sabemos dos desejos por impunidade de boa parte da classe política do país. Aliás, isso se dá no cotidiano da vida nacional. Lembrem-se, no entanto, que ao serem eleitos ou escolhidos pelos que foram eleitos, vocês possuem poder, mas também, e sobretudo, responsabilidades.
Recorramos à arte, ela também, arruinada em seus patrimônios por este desgoverno,para nos salvar em momento tão dramático e triste da vida nacional.
“Lágrima é água, é puro sal/ E foi deste cristal/ Que a vida começou no mar/ Viver é tempestade e calmaria/ Sofrendo, a gente aprende a navegar, um dia”. Os versos de Prisma Luminoso são de Carlos Capinam e Paulinho da Viola. A verdade que o choro traz, jamais foi tão bem traduzida como neste caso: um prisma luminoso. Aquela paz e aquela lucidez após um banho de lágrimas é uma das experiências humanas mais sublimes, não lhes parece?
Eu gostava muito de cantar essa música nas rodas de samba com meu compadre Robinho. E sei que ela é das preferidas dele. Há exato um ano que não temos nossas rodas informais de samba pela cidade… Faz muita falta. Houve uma temporada que a turma do samba se encontrava nos domingos de manhã para cantar na Praça 7, aqui em Ribeirão Preto. E na mesa dos músicos aparecia uma garrafa de café, um biscoito qualquer, pois ainda não era a hora da cerveja. Em um domingo ousei e levei uma moringa cheia de água.
Como se chama mesmo aquele gênero musical tipicamente brasileiro,tocado por músicos instrumentistas em formato de roda e que convida os passantes a ouví-los em silêncio?
Silêncio, o país está de luto.
Dedico este artigo a Robson Luiz Rey (Robinho), pela amizade, pelas cantorias e pelas parcerias na composição das marchinhas dos Alegrões.