Aquele que dirige-se a uma pessoa de determinada raça, insultando-a com argumentos ou palavras pejorativas, responderá por injúria racial, não podendo alegar que houve uma injúria simples, nem tampouco uma mera exposição do pensamento, uma vez que há limite para tal liberdade. Não se pode acolher a liberdade que fira direito alheio, que é, no caso, o direito à honra subjetiva. Esse foi o entendimento foi adotado pela 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao condenar uma mulher que brigou com a síndica e proferiu ofensas raciais contra o zelador de um condomínio em Ribeirão Preto.
A ré deve cumprir pena de prestação de serviços à comunidade, que consiste em uma hora diária de tarefas em uma entidade a ser designada pelo juízo de Execuções Criminais, pelo período de um ano. A decisão foi unânime.
De acordo com a denúncia, depois de receber uma cobrança por danos patrimoniais causados ao prédio, a acusada agrediu a síndica, que acionou a Polícia Militar. Ao tentar interromper a briga, o zelador foi ofendido pela ré, que proferiu injúrias raciais, referindo-se ao funcionário como “macaco preto” e “negro safado”.
A desembargadora Ely Amyoka, relatora da apelação, afirmou não haver nos autos qualquer prova de que as vítimas queiram incriminar a ré injustamente. A magistrada destacou que, quanto ao comportamento da acusada, “o ânimo exaltado, a ira, a explosão emocional, e outros descontroles não afastam a tipificação do delito, sendo, muitas vezes, o que propicia a ação criminosa”.
Ainda segundo a relatora, a prova produzida sob o crivo do contraditório não deixa qualquer dúvida quanto à responsabilidade penal atribuída à ré na denúncia, “mostrando-se de rigor a manutenção da condenação pelos delitos de injúria racial e vias de fato”.
O fato
O caso ocorreu no dia 30 de abril de 2016 em um condomínio na rua Paranapanema, no Sumarezinho, em Ribeirão Preto. Na ocasião foram registrados dois boletins de ocorrências, um pela moradora e outro pela síndica e pelo zelador. Cada qual afirma no documento que foram agredidos física e verbalmente.
O advogado Gustavo Santana ao ler o processo comentou o caso. “A decisão me aparenta acertada. O crime de injúria consiste em ofender a dignidade de alguém. Existe no tipo penal da injúria a injúria qualificada, ou seja, a injuria que tem como base a raça, cor, etnia, religião ou origem. No caso em tela a injúria teve como qualificadora a raça do ofendido. A autora da agressão usou a raça do autor para agravar as ofensas à vítima e lhe ofender”, disse.
O advogado Ricardo Miguel Sobral completa dizendo que o debate e a discussão entre pessoas em contextos sociais têm extrapolado, em muito, o direito de livre manifestação e acabam por configurar condutas ilícitas e até crimes. “Quanto isso acontece, o ofendido pode exigir a reparação no campo penal e na esfera cível. Neste cenário, cabe ao poder judiciário analisar e julgar a conduta do agente e fixar as penas, o que vem acontecendo com mais frequência atualmente”.
Intolerância nas redes sociais
Sobral e Santana comentaram ainda o fato de casos parecidos ocorrerem em redes sociais.
Segundo Sobral há dois pontos importantes. O primeiro é que as ofensas cometidas em ambiente virtual, como as redes sociais e aplicativos de mensagens, geram uma repercussão do dano significativa. “Pois é presenciado por todos que compartilham o ambiente no qual o ilícito ocorreu, e essa publicidade provoca no ofendido o sentimento de buscar justiça”.
O segundo ponto, já sob a ótica da prova processual, é que no ambiente virtual é possível a identificação do ofensor e da própria ofensa, inclusive por meio de imagens e áudio, capaz de subsidiar e instruir um processo judicial. “Acredito que a junção destes dois fatores está provocando que as pessoas busquem, cada vez mais, seus direitos”, avalia.
Santana diz que é perceptível o aumento de intolerância nas redes sociais. “Principalmente quando as pessoas estão escondidas e protegidas pelo anonimato ou pelas redes sociais. O Fla-Flu ideológico, de raça, credo, opção sexual ou qualquer outro tem aumentado e as pessoas estão mais agressivas e se sentem no direito de afrontar e agredir apenas pelas posições contrárias à visão do outro”, ressalta.
“É perceptível que os ofendidos têm buscado mais a tutela as autoridades, entretanto, a pandemia tem dificultado o acesso aos órgãos públicos o que pode gerar a falta de punição dos agressores e desincentivar os denunciantes”, finaliza Santana.
Segundo os advogados as pessoas ofendidas devem procurar as autoridades e buscar a reparação do dano que sofreram, seja com a condenação criminal do ofensor ou ainda do pagamento pecuniária de danos morais pela ofensa.
Sobral indica que ofendido arquive todas as imagens, áudios, dados de testemunha do ocorrido ou outros meios de comprovar o fato e procure imediatamente um advogado de sua confiança para a orientação técnica necessária. “Por último, que cada pessoa, antes de exaltar os ânimos e desferir palavras rudes, se coloque no lugar do outro, que tenha um mínimo de empatia, e faça um autoquestionamento: se eu ouvisse isso de alguém, como me sentiria? A vida em sociedade, potencializada pelas sociedades virtuais, é fenômeno permanente e cada um de nós devemos saber os nossos direitos e deveres, exigindo que nos tratem adequadamente e, ao mesmo tempo, tratando todos com respeito”, finaliza.
Projeto reconhece injúria racial como crime de racismo e o torna imprescritível
O Projeto de Lei 141/21 considera a injúria racial como crime de racismo, tornando-a imprescritível. Em análise na Câmara dos Deputados, o texto altera a Lei de Combate ao Racismo, que hoje não lista a injúria racial como crime de racismo.
Conforme a Constituição, o racismo é crime imprescritível – ou seja, que pode julgado a qualquer tempo, independentemente da data em que foi cometido.
O crime de injúria racial – ofender a dignidade ou o decoro de alguém usando elementos referentes a raça, cor ou etnia – está previsto hoje apenas no Código Penal, com pena de reclusão de um a três anos e multa
Ao reconhecer a conduta prevista no Código Penal como manifestação de racismo, o deputado Ossesio Silva (Republicanos-PE), autor da proposta, justamente busca “tornar imprescritível o crime de injúria praticado com a utilização de elementos referentes a raça, cor ou etnia”.