Tribuna Ribeirão
Saúde

Molécula pode combater câncer de ovário

Maria Fernanda Ziegler
Agência Fapesp

Conhecida como miR-450a, a pequena molécula de RNA geralmente é pouco expressa em tumores. Porém, testes in vitro e em camundongos mostraram que, quando superexpressa, pode ter efeitos positivos no tra­tamento da doença ao silenciar a expressão de genes envolvidos na migração celular e no meta­bolismo energético do tumor.

O estudo foi realizado no Centro de Terapia Celular (CTC) do Hemocentro, liga­do ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ri­beirão Preto – vinculada à Uni­versidade de São Paulo (USP) –, administrado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Esta­do de São Paulo (Fapesp) e que no dia 11 deste mês anunciou a cura de um tipo de avançado de linfoma não-Hodgkin em um paciente de 62 anos em estado grave e sem resposta a tratamen­tos convencionais.

O estudo com a miR-450a contou com a colaboração de Markus Hafner, professor do Laboratory of Muscle Stem Cells and Gene Regulation, do Natio­nal Institutes of Health (NIH), nos Estados Unidos. “Trata-se de uma molécula promissora. Podemos desenvolver, no futu­ro, com uso de nanotecnologia, estratégias terapêuticas contra o câncer de ovário”, diz Wilson Araújo da Silva Junior, pesqui­sador do CTC e coordenador do estudo.

Por ser inicialmente assin­tomático, o câncer de ovário tende a ser detectado já em es­tágio avançado. Atualmente, a principal arma no tratamento é a cirurgia. “A miR-450a, asso­ciada ou não à quimioterapia, pode contribuir como terapia neoadjuvante [tratamento pré­-cirúrgico], aumentando taxas de resposta pré-operatórias. Já em casos mais avançados, é possível que diminua o risco de progressão ou de morte pela doença, com efeitos colaterais possivelmente menores que os da quimioterapia. Outro pon­to interessante da molécula é a capacidade de bloquear o processo de metástase”, explica Silva Junior.

Corte de energia
Os chamados microRNAs, como o miR450a, são peque­nas moléculas de RNA que não codificam proteína, mas desem­penham função regulatória no genoma e, por consequência, em diversos processos intrace­lulares. A estratégia de atuação dessas moléculas consiste em se ligar ao RNA mensageiro ex­presso por um gene, impedindo sua tradução em proteína.

Os testes in vitro e in vivo realizados no Centro de Te­rapia Celular, como parte do doutorado de Bruna Muys, bolsista da Fapesp, mostraram que, quando superexpresso, o miR-450a não só reduziu o tumor como também blo­queou o processo de metás­tase. No entanto, era preciso ainda identificar quais genes de proliferação e invasão ce­lular estavam sendo inibidos pela molécula. Nessa etapa, os pesquisadores trabalharam em colaboração com o grupo do NIH. O estudo teve apoio da Fapesp por meio de uma Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (Bepe).

“Depois de toda a fase de caracterização, precisávamos descobrir quais genes de migra­ção celular e invasão o miR-450a estava regulando. Com a tecno­logia que o laboratório do NIH dispõe para a procura de alvos de RNA não codificadores des­cobrimos que esse microRNA atua também na redução de energia da célula, levando-a à morte”, emenda Silva Junior.

Os pesquisadores identifica­ram que o miR-450a bloqueia genes relacionados à proteína vimentina, que integra a via de invasão celular. Atua também na desregulação dos genes da via de transição epitélio-mesenquimal – essenciais para o processo de migração, invasão e resistência à apoptose celular (morte celular programada) –, inibindo, assim, a ocorrência de metástase.

No que se refere ao cres­cimento tumoral, a molécula atua em um gene mitocondrial (MT-ND2) e em outros três do genoma nuclear (ACO2, ATP5B e TIMMDC1) envolvidos em uma das etapas da respiração celular e na produção de energia (fosforilação oxidativa).

Ainda como consequência das alterações no metabolismo energético, foi observada dimi­nuição da taxa de glutaminó­lise e aumento de glicólise. De acordo com os pesquisadores, esse desequilíbrio energéti­co pode resultar na produção ineficiente de lipídios, amino­ácidos, ácidos nucleicos pelas células tumorais e, com isso, inibir as vias de sinalização as­sociadas à migração e invasão das células tumorais.


Informação que vem da placenta
A descoberta da molécula miR-450a e de seu me­canismo de atuação surgiu como resultado do projeto de mestrado de Bruna Muys, também apoiado pela Fapesp e vinculado ao Centro de Terapia Celular. O estudo, publicado na Plos One em 2016, mostrou que ocorre expressão elevada do miR-450a na placenta e baixa expressão em tumores, entre eles os de ovário. A conclusão do grupo foi que, na placenta, essas moléculas estariam regulando mecanismos análogos ao do desenvolvimento do tumor.

Embora a formação da placenta e dos tumores sejam processos completamente diversos, existe, até certo ponto, muita semelhança na programação ge­nética de ambos. “A placenta cresce, invade o útero, prolifera e passa por uma vascularização – processo conhecido como angiogênese. É tudo o que o tumor precisa. Porém, diferentemente dos tumores, na placenta esses programas genéticos estão ativos de forma controlada”, diz Wilson Araújo da Silva Junior, pesquisador do CTC e coordenador do estudo.

O grupo teve então a ideia de buscar novos alvos terapêuticos estudando genes altamente expressos na placenta, mas que não estão ativos em tumores. “Essa correlação significa que moléculas como a miR-450a deixam de regular processos biológicos importantes para o desenvolvimento do tumor. Pelos nossos achados, se um gene aparece com essas características, é sinal que ele pode ser um bom alvo terapêutico”, finaliza.

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