O Ministério da Justiça determinou a suspensão do filme “Como se tornar o pior aluno da escola” em plataformas de streaming. Segundo despacho da Secretaria Nacional do Consumidor publicado no Diário Oficial da União desta terça-feira, 15 de março, caso “a disponibilização, exibição e oferta” do filme não sejam interrompidas em até cinco dias, deve ser aplicada multa diária de R$ 50 mil.
Além da Netflix, foram citados na portaria YouTube, Globoplay, Amazon Prime Video e Apple TV. Segundo a decisão, assinada pela diretora do Departamento de Proteção e de Defesa do Consumidor, Lilian Brandão, a medida foi tomada “tendo em vista a necessária proteção à criança e ao adolescente consumerista”. Inspirado em um livro do comediante e apresentador Danilo Gentili, que também atua no filme, o longa-metragem, de 2017, é acusado de fazer apologia à pedofilia.
A história gira em torno de dois adolescentes, interpretados pelos atores Bruno Munhoz e Daniel Pimentel, que encontram um diário com “dicas” de como se tornar “o pior aluno da escola”. O trecho que circula na internet mostra um inspetor de alunos, personagem interpretado pelo ator Fábio Porchat, tentando convencer dois adolescentes a fazer sexo com ele.
No filme, uma comédia, os menores de idade fogem do homem após o convite, mas essa parte foi cortada do vídeo que está sendo compartilhado. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, que já havia se manifestado sobre a polêmica dizendo que tinha pedido a “vários setores” da pasta que adotassem as medidas cabíveis, compartilhou a decisão em suas redes sociais nesta terça-feira.
A postagem recebeu o apoio de outros membros do governo federal, como o secretário de Cultura, Mário Frias, e a ministra Damares Alves, que comanda a Secretaria da Mulher, Família e Direitos Humanos. A cena editada também gerou críticas da deputada Carla Zambelli (União Brasil-SP), entre outros políticos e autoridades do campo bolsonarista.
Especialistas em Direito consultados dizem que o Ministério da Justiça não tem competência para impedir a circulação de uma obra. Globoplay e Telecine afirmaram em nota que a decisão “ofende o princípio da liberdade de expressão, é inconstitucional e, portanto, não pode ser cumprida”.
“Não se trata de estar correta ou não a decisão. O Ministério da Justiça não tem essa prerrogativa, não pode impedir a circulação de qualquer obra”, diz o advogado criminalista Franklin Gomes, mestre em Direito Penal e especialista em Processo Penal. “O máximo que ele pode é recomendar a classificação etária.”
Outro lado
Por meio de sua assessoria de imprensa, o apresentador Danilo Gentili se defendeu das acusações ao dizer que o filme é uma obra de ficção. “Geralmente, o filme tem o mocinho e o vilão. O vilão é um personagem mau. Que faz coisas horríveis. O vilão pode ser um nazista, um racista, um pedófilo, um agressor, pode matar e torturar pessoas…”, diz.
“O Marlon Brando interpretou o papel de um mafioso italiano que mandava assassinar pessoas. A Renata Sorah roubou uma criança da maternidade e empurrava pessoas da escada. A Regiane Alves maltratava idosos. Mas era tudo mentira, tá, gente?”, ironiza.
Gentili considera estar sofrendo censura por parte do governo federal. Ele é autor do livro homônimo que deu origem ao filme, lançado em 2017, e ajudou a escrever o roteiro da produção audiovisual, que chegou recentemente aos serviços de streaming.
Segundo ele, a determinação do Ministério “soa como oportunismo, censura e perseguição”. O humorista afirma que o movimento nas redes contra a obra, impulsionado por políticos bolsonaristas, serve para “destratar desafetos que possuem opiniões independentes, fazer cortina de fumaça contra problemas reais e engajar a rede deles” em ano eleitoral.
“Uma vez que o filme passou por todos os trâmites legais e classificatórios de todos os órgãos competentes, sem dúvida (parece censura)”, disse o humorista. O livro foi lançado em 2009, com indicação para maiores de idade; já o longa, que estreou em 2017, recebeu classificação indicativa do Ministério da Justiça para espectadores acima de 14 anos.