Tribuna Ribeirão
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Milhos aéreos 

Luiz Paulo Tupynambá *
blog: www.tupyweb.com

“Vinte segundos ele conseguiu na milha / Tratava sua Porsche como se fosse filha / Tala dez, gasolina de avião / Assim era o carro de Johnny Furacão…” Johnny Furacão – Canção de Erasmo Carlos

Se eu te dissesse, alguns anos atrás, que num futuro próximo iríamos ter avião voando a milho – isso mesmo, milho, substantivo masculino e não milha, medida itinerária –, você acreditaria nisso? Acho que não e, provavelmente, atravessaria a rua com discrição, pois ser visto junto a maluco nunca fez bem a pessoas inteligentes e de boa índole. Mas, hoje, afirmo o que digo e acrescento que aqui mesmo na nossa região já estão sendo feitos investimentos de boa monta por empresas gigantes do agronegócio, para entrar no concorrido mercado de fornecimento de combustível para aviação.

No ano de 2021, os Estados Unidos lançaram um programa governamental chamado “Grande Desafio do Combustível de Aviação Sustentável”, para incentivar o desenvolvimento do SAF (Sustentable Aviation Fuel – Combustível de Aviação Sustentável). O Combustível de Aviação Sustentável (SAF) é um tipo de biocombustível usado na aviação comercial que pode reduzir as emissões de CO em até 80% em comparação com os combustíveis de jato tradicionais. Foi o sinal de largada para que a iniciativa privada encontrasse uma maneira de produzir SAFs com viabilidade econômica e baixa emissão de gases poluentes.

Além disso, pedia que se conseguisse produzir um SAF que custasse no máximo US$ 1 por galão – hoje o preço médio é de US$ 3,40 – e uma produção de, pelo menos, três bilhões de barris até o ano de 2030. O governo estadunidense oferece financiamentos para pesquisa, incentivos fiscais, parcerias com empresas e garantia de compra do SAF produzido para uso nas aeronaves governamentais e das Forças Armadas. O objetivo final é que toda a frota de jatos, civis ou militares, em 2050 estejam voando com SAF, em busca dos objetivos sustentáveis definidos em tratados mundiais. Sendo os maiores consumidores do mundo, para onde os Estados Unidos vão, os fornecedores vão atrás e se adaptam para fornecer o que é solicitado.

No Brasil, o Projeto de Lei 4.516/2023 regulamenta os biocombustíveis. Iniciativa do Governo Federal, o “Projeto do Combustível do Futuro”, como é chamado pelos deputados, tramita na Câmara Federal e já teve o parecer do relator Deputado Arnaldo Jardim, Cidadania-SP, apresentado e aguarda votação. Como é um projeto de lei abrangente e não apenas sobre a aviação civil, deve demorar um pouco mais na sua tramitação, mas há consenso em sua urgência, pois “é ele que vai viabilizar um ambiente regulatório, um ambiente jurídico de segurança para que a gente tenha investimento e chegue a uma produção volumétrica suficiente para atender as metas setoriais” – como disse Jurema Monteiro, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), em recente entrevista à jornalista Nayara Machado, da Agência EPBR. O Brasil é signatário do tratado internacional conhecido como CORSIA, que regulamenta a descarbonização das operações aeronáuticas civis e estabelece metas para os operadores de cada país, já a partir de 2027.

Em matéria de produzir energia com produtos renováveis, poucos países têm a tecnologia, o clima e a terra agricultável, como o Brasil. Desde o primeiro Fiat 147 movido a álcool que saiu da fábrica de Betim–MG, em 1980, nosso país é pioneiro na produção, distribuição e utilização de álcool hidratado (etanol) como combustível para automóveis e outros veículos com motor à explosão. Isso nos dá uma posição privilegiada num mundo que precisa, quase desesperadamente, trocar sua principal matriz energética, saindo dos combustíveis fósseis para fontes energéticas sustentáveis, renováveis e não poluentes. Na verdade, apenas dois países no mundo têm potencial para a produção de SAFs em quantidades viáveis, sem desequilibrar seu portfólio agrícola: o Brasil e os Estados Unidos. E o Brasil pode ter algumas vantagens nisso. Tem a possibilidade de produzir SAFs a partir do sistema produtivo do etanol e do milho. A maior produção de etanol no Brasil em 2023 foi da Inpasa, de Mato Grosso (1,69 bilhão de litros), que opera com milho. E o milho, no Brasil, é produzido praticamente o ano todo, com três safras, enquanto os Estados Unidos colhem apenas uma safra.

Nossa região é privilegiada por essa diversificação, pois foi aqui que começou a história da utilização do etanol como substituto viável do petróleo no transporte terrestre. Aqui foi modelada a tecnologia, do plantio da cana-de-açúcar ao detalhamento da destilaria e sua linha de produção. Em agosto de 2023, a Raizen foi a primeira empresa do mundo a receber o Certificado ISCC CORSIA Plus(do programa de compensação de carbono da aviação internacional) que comprova que seu etanol cumpre os requisitos para produção de combustível sustentável de aviação.

Que os nossos governantes e políticos de todos os matizes tenham a compreensão de que o Brasil não é um agregado de interesses conflitantes, mas sim um caleidoscópio de oportunidades num futuro próximo. E enterrem de vez o passado. Como dizem os sábios “zingari”: “Il futuro appartiene a Dio, ma siamo noi a costruirlo nel presente. Dimentica il passato perché appartiene al diavolo” – “o futuro a Deus pertence, mas somos nós que o construímos no presente. Esqueça o passado, porque ele pertence ao diabo”. Fui.

* Jornalista e fotógrafo de rua 

 

 

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