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Meu Reino é deste mundo: a opção política dos evangélicos (conclusão)

O crescimento dos evangélicos é um fato político incontestável nas últimas décadas da nossa história. Um fato político mais do que um fato propriamente religioso, tal o seu impacto e repercussão em várias esferas do espaço público e do Estado. Impulsionados por uma forte presença midiática e por uma performance agressiva e estratégica de seus líderes e pastores, eles foram ocupando espaços cada vez mais visíveis na esfera pública. Sua expressão mais evidente é a formação das denominadas “bancadas evangélicas” nas casas legislativas, orientadas para proposi­ções de nítido caráter conservador ou para a obstrução de pautas consi­deradas progressistas por vários segmentos da sociedade.

É importante ressaltar que a atuação dessas bancadas se orienta pela relação entre a instrumentalização da religião e a sacralização da polí­tica. Legitimados por uma tática de conveniência, o objetivo principal desses grupos de parlamentares é a luta contra o que eles denominam de o “mal” e a defesa dos costumes tradicionais. Essa tática de conveniência coloca a maioria dos parlamentares evangélicos naquilo que já se con­vencionou chamar de “velha política”, regada a todo tipo de interesses es­cusos e do toma-lá-dá-cá, como o noticiário fartamente tem divulgado. A bancada evangélica hoje apoia Bolsonaro como já apoiou Lula e o PT até no limite que Lula e o PT puderam ceder.

Apresentando-se como porta-vozes da maioria dos brasileiros,a lideran­ça evangélica sinaliza claramente para a implantação de um projeto político a longo prazo que redundará, ao nosso ver, na abolição do Estado laico e na restrição de direitos civis aos parâmetros de mandamentos religiosos. Não muito diferente do mundo islâmico. Em outras palavras, há um esforço da parte desses grupos para que os pecados contra Deus se transformem em crimes previstos e punidos pela lei dos homens. Mas não o contrário. Parece que os crimes previstos nas leis dos homens não são os mesmos da lei de Deus. São duas éticas diferentes. Que o digam Malafaia enrolado na Opera­ção Timóteo e os bispos da Renascer presos nos Estados Unidos.

O argumento religioso apresenta-se como legítimo por si mesmo e uma verdade supostamente universal que não admite quaisquer ques­tionamentos.A ingenuidade humana é impressionante: os pobres e com pouca instrução acreditam facilmente serem grandes pecadores que precisam ser perdoados, para terem direito a uma vida eterna no céu! Não há necessidade de dar provas, basta uma boa pregação. Na verdade, é uma espécie de tratamento psiquiátrico semanal ao alcance da grande popula­ção. Anestesiados e crédulos são maleáveis e facilmente manipulados. Que o diga o kit-gay que levou muitos evangélicos a abominarem o PT e seu candidato. Quanta ignorância. Um dos bastiões do anti-intelectualismo das hostes bolsonaristas está justamente entre os evangélicos.

Assim, muito antes das eleições, o rebanho evangélico começou a ser preparado para cumprir o desejo de Deus de levar Bolsonaro à direção do país. Lembro-me bem da Ministra Damares em uma reunião de pas­tores em Ribeirão em 2010, acompanhando um deputado evangélico do Acre. Aquilo ali era o ovo da serpente. A doutrinação foi bemsucedida, o rebanho garantiu a diferença sobre Fernando Haddad. Foi um verdadei­ro milagre, pois os evangélicos negros não souberam do racismo do seu candidato e nem as mulheres evangélicas souberam de sua misoginia. Assim como todos não souberam de suas declarações pelo uso da vio­lência em oposição ao ensinamento do Evangelho.

A grande maioria dos evangélicos votou contra o comunismo, como se isto ainda fosse uma ameaça. A consciência política se submeteu à lorota de seus pastores formados por uma teologia rasa. Como um rebanho teleguiado, a maioria votou em Bolsonaro, uma espécie de analgésico ou anestesia para suas carências sociais ou livramento de todas as ameaças que pairavam sobre suas cabeças. A opção política dos evangélicos é uma opção pela vida terrena, sob a batuta de sua bancada evangélica bolsonarista. Jesus, segundo o evangelho de João 18:36 foi bastante claro ao dizer que seu reino não era desse mundo. Mas o que vemos hoje é claramente uma opção de boa parte de seus seguidores por este mundo de intolerância, ódio e ignorância. Uma verdadeira traição ao Evangelho. Kyrie eleison!

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