Elson de Paula *
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“Para mim, é duro e triste demais ser obrigado
a viver apenas da caridade alheia.”
(Pessoa em situação de rua)
Ouvi a frase acima faz pouco tempo, numa roda de conversa que realizei em praça pública em Ribeirão Preto com Pessoas em Situação de Rua.
Estavam ali reunidas comigo naquele dia, 12 pessoas, e um homem aparentando 50 anos pediu a palavra e contou um pouco da sua vida e os motivos pelos quais passou a viver nas ruas.
Ele detalhou em poucos minutos a vida tranquila que teve como comerciante bem sucedido em sua cidade natal, falou com os olhos marejados sobre a família que perdeu, e contou com dificuldade e vergonha de si mesmo, do porque cedeu às drogas como refúgio dos seus sofrimentos.
Mas o que marcou em sua fala cansada, foi ouvir dele que “era duro e triste demais ser obrigado a viver apenas da caridade alheia”, e “que isso lhe roubava seu bem maior, sua dignidade”.
Ao sair daquela roda de conversa, não conseguia deixar de pensar sobre o que ouvi daquela Pessoa em Situação de Rua que continuou dormindo na calçada dura e fria, enquanto eu seguia para o conforto do meu lar.
Por algum tempo durante essa reflexão, lembrei do chamado de Jesus de Nazaré, líder do Cristianismo (que para muitos é o Filho de Deus, enviado ao Planeta por seu Pai), quando um Fariseu, doutor da lei, perguntou-lhe qual seria o maior mandamento e Ele diz, e que está registrado por seus Discípulos em seu Evangelho, em Mateus 22:36-40(Capítulo e Versículos), e num texto bem parecido, em Marcos 12:30-34(Capítulo e Versículos),
36 Mestre, qual é o grande mandamento na lei?
37 E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento.
38 Este é o primeiro e grande mandamento.
39 E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
40 Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.
Se Ele, o Líder dos Cristãos, ensina que o segundo maior mandamento, semelhante ao primeiro que é “Amar a Deus sobre tudo”, revelando que devemos “amar ao nosso próximo como a nós mesmos”, explica-se aí a vontade das pessoas em praticar a caridade, como uma forma de virtude teologal que nos conduz ao amor a Deus e ao nosso semelhante.
Muitas lideranças religiosas brasileiras, do Protestantismo, do Neo-evangelismo, do Espiritismo, da Umbanda, do Candomblé, entre outras, também pregaram a necessidade da prática da caridade como Lei Divina.
Mas se assim é, porque essa caridade incomoda tanto àquele homem (e agora a mim também) com quem conversei naquela noite? E após muita reflexão, entendi, colocando-me em seu lugar, o porquê do seu incômodo.
Viver de praticar e receber caridade não é ruim, aproxima as pessoas, tanto quem doa quanto quem recebe, emite vibrações de amor fraterno que são para ambos, saudáveis e agradáveis, mas desde que essa caridade esteja acompanhada, por quem a oferece, do sentimento sincero de ajudar, e não se apresente de forma superior, a ponto de fazer quem recebe, sentir-se inferior àquele que o estende a mão.
E então lembrei que muitos que praticam essa tal caridade, o fazem por único objetivo de figurar na Terra como “homens (e mulheres) de bem”, caridosos, perfeitos e superiores, menosprezando o seu próximo com sua benevolência superficial.
E a conclusão que encontrei, mais de uma vez, é que para uma Pessoa em Situação de Rua o que tem mais valor não é a “caridade alheia” embora precise dela para sobreviver, mas sim a instalação de Políticas Públicas voltadas para essa Pessoa, capaz de permitir-lhe sua reconstrução digna, humana, igualitária, de forma plena e eficaz, para que ela nunca mais precise voltar a viver nas ruas.
Mas aí outra necessidade de reflexão surge à minha frente, a do porquê daqueles que governam nossas instâncias estaduais e municipais, sejam legislativas ou executivas, não cumprem com suas obrigações, olhando para estas Pessoas em Situação de Vulnerabilidade Extrema como seus próximos e fazendo o seu trabalho?
Pensemos nisso!
* Jornalista, representante do Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua e cofundador e coordenador do Fórum de Defesa da População em Situação de Rua de Ribeirão Preto (Pop Rua RP)