O livro de ficção científica cyberpunk Snow Crash, publicado em 1992, não fez muito sucesso. Nem chegou a ganhar uma adaptação para cinema ou tv. A trama descreve um futuro dominado por grandes corporações enquanto a humanidade está dividida em tribos e presa numa realidade virtual tridimensional, dentro da Internet. O termo Metaverso, criado pelo escritor Neal Stephenson, para descrever essa realidade, foi adotado pela comunidade da internet como sinônimo de um ambiente virtual, onde uma pessoa comum pode, literalmente, fazer o que quiser, onde quiser e na hora que quiser, numa experiência de quase total realidade.
Aliás, no universo da ficção essa ideia não é nova. Só para dar dois exemplos, o inglês Lewis Carroll, em Alice no País das Maravilhas, leva sua personagem por uma jornada num mundo fictício, existente fora da realidade normal. Já The Matrix, das irmãs Wachowski (EUA – 1999), é um dos grandes clássicos do cinema de ficção científica, que mostra uma Meta Realidade mundial, onde corpos humanos aprisionados em “fazendas interconectadas”, tornam-se fonte de energia para manter a Matrix, a realidade virtual, baseada em programas de computador. As mentes humanas são enganadas por essa realidade virtual, sendo induzidas a pensar que vivem e interagem em um mundo real.
O metaverso, que está chegando a passo acelerado, baseia-se naquilo que já vimos nos textos anteriores. Redes neurais de inteligência artificial, com grande capacidade de processamento e conexão rápida. Com essas ferramentas, hoje é possível criar uma realidade tridimensional, onde o ser humano irá interagir de maneira virtual da mesma forma como interage na “realidade real”.
Embarque aqui para uma pequena viagem no Metaverso: imagine você, num mesmo dia, participando de uma reunião internacional no Baku Business Center, na capital do Azerbaijão, às dez da manhã. Ao meio-dia você encomenda um maravilhoso sushi no Sukiyabashi Jiro, em Tóquio; às catorze horas compra duas gravatas na Tincati em Milão e finaliza seu dia curtindo um drink gelado enquanto aprecia o pôr do sol em Sunset Beach, no Havaí. É impossível… Mas não é não, ou melhor, em alguns anos será possível, sim, fazer tudo isso em um curto espaço de tempo. Preste atenção ao seu mundo hoje: o uso do dinheiro real, em notas contadas e conferidas, como se diz no cartório, está desaparecendo. Com a Inteligência Artificial você já paga, recebe, transfere e aplica valores virtualmente, sem precisar ir ao banco. Coisas corriqueiras em nosso cotidiano. Pedir uma pizza, comprar um eletrodoméstico, realizar reuniões de trabalho, você também já faz pela internet. A diferença é que, no Metaverso, a distância física desaparece, o intervalo de tempo é modificado e você “irá” a esses lugares, sem tirar o “bum-bum” da cadeira, numa fração de segundo. Quer jogar tênis em Wimbledon? Tudo bem, marque seu horário. Quer assistir uma corrida de Fórmula Um, no box da Ferrari? Sem problema, retire seu passe de acesso ali naquele quiosque. E, claro, pague tudo em cripto-moedas, aceitamos todas. Na verdade, um bot seu fará tudo isso. Explicando: o bot (trecho de programa) é o seu avatar, que é uma tradução virtual de você. As características desse avatar você indicará quando fizer seu cadastramento naquele Metaverso.
Claro que isso terá um custo para você utilizar. Modelar, adaptar, desenvolver e ambientar essa meta realidade precisa de um investimento bilionário, que só empresas gigantescas têm coragem e capacidade de fazer. Adivinha quem são? Pois é, Microsoft, Google, Apple, Facebook, ops, essa última mudou de nome, o grupo agora se chama Meta. Por que será que o Zuckerberg mudou o nome tão famoso de sua empresa-líder justamente para Meta? Dá para adivinhar, né? E sim, cada uma delas terá seu próprio “mundo”, onde o usuário poderá interagir com milhões de outros. Com avatares diferentes também. Você pode ser homem em um, mulher em outro. Anarco-capitalista em um e comunista de carteirinha vermelha em outro. Nem quero tocar no assunto da confusão que isso pode criar para muita gente.
Como disse, muitas empresas já entraram com tudo nisso. O preço dos “lotes virtuais”, uma espécie de terreno que você pode comprar em um desses mundos virtuais, está subindo exponencialmente. Todas as grandes, de qualquer área econômica, já compraram lotes para se instalarem lá. E diversas já até “construíram” sua versão em 3D de lojas e locais de prestação de serviços. Com isso, já existem “imobiliárias” especializadas na comercialização dos imóveis virtuais e estúdios de arquitetura que se especializam na produção dos “edifícios funcionais”. Uma estória bem conhecida foi a construção da sede da Sotheby’s, a gigante inglesa dos leilões, dentro do Metaverso da Decentraland, feita pelo estúdio português Voxel Arquitetos, que mimetiza a sede da leiloeira em Londres. Estima-se que só um projeto como esse custe pelo menos cem mil euros.
Mas e as experiências de transe espiritual vividas por xamãs, espiritualistas ou crentes de qualquer religião no mundo, não poderiam ser explicadas também como experiência em uma Meta Realidade? Com toda a vênia, ouso parafrasear Shakespeare: existem mais coisas entre o mouse e o monitor do que possa imaginar nossa vã filosofia.
No próximo artigo falaremos mais sobre as interações humanas, e suas consequências, dentro do Metaverso.