José Aparecido Da Silva*
O que poderão entender os pacientes quando descrevem a magnitude de dor que estão sentindo? Referir-se-ão à intensidade sensorial, à presença de qualidades sensoriais específicas, ou ao seu sofrimento, ansiedade, angústia, agonia, aflição, depressão, medo? Estarão os registros de dor usualmente associados a uma dessas dimensões, ou poderão os seus significados variar entre os indivíduos? A percepção de dor é caracterizada como uma complexa experiência multidimensional variando quer na qualidade e intensidade sensoriais, quer nas suas características afetivas e motivacionais. Todavia, muitos estudiosos teimam, por vieses de formação ou não, a considerá-la como apenas uma dimensão simples, variando unicamente na sua magnitude sensorial, a sua intensidade. Esta ideia emergiu a partir da concepção de que a dor podia ser considerada como um sistema sensorial humano, similar à audição ou visão, com os seus próprios substratos neurológicos. A transmissão da informação de dor foi considerada estando ao longo de uma via direta, originando-se desde os receptores periféricos até o centro de dor no cérebro. Esta visão reducionista da experiência de dor supunha que a dor era uma sensação específica e que sua intensidade era proporcional à extensão da lesão dos tecidos. Este “modelo nociceptivo” da experiência dolorosa ainda permanece como padrão em muitas intervenções clínicas.
Recentemente, o conceito de dor tem mudado de um simples sinal neurofisiológico para um fenômeno psicofisiológico complexo, com muitos correlatos inter-relacionados, ainda que pouco entendidos. Esta mudança ocorreu, em parte, por causa das recentes pesquisas demonstrando que a severidade da dor registrada pode estar relacionada a sintomas fisiológicos específicos, combinados com o efeito de uma ou mais variáveis psicológicas. Fatores culturais, influências atentivo-sociais moduladoras, assim como fatores de personalidade e comportamentos instrumentais podem influenciar o registro da dor. Portanto, estas mudanças têm permitido entender a dor como uma experiência composta tanto de componentes sensoriais quanto reativos, de maneira que as dimensões sensorial-discriminativa, motivacional-afetiva e comportamental-cognitiva, tomam parte. Claramente, não há uma correspondência um-a-um entre lesão nos tecidos e sensação de dor. A dor é uma experiência perceptual, subjetiva, e a característica que a diferencia de uma simples sensação é exatamente sua qualidade afetiva.
A utilidade e a validade de muitas medidas de dor, por exemplo, as escalas psicofísicas, mas também, os questionários e inventários multidimensionais, parcialmente, resultam do reconhecimento e da avaliação independente de suas diferentes dimensões. Todavia, um grande número de estudos acerca da dor e da analgesia, no passado e, ainda, atualmente, consideram a dor como uma dimensão unitária variando apenas em intensidade fracassando em entender que a dor é vivenciada em um nível físico e em um nível afetivo. É claro que há desafios especiais na mensuração da dor. Similar à depressão e ansiedade, dor é uma sensação interna e privada que não pode ser diretamente observada ou mensurada; sua mensuração depende da resposta subjetiva da pessoa que a percebe. Por contraste, incapacidade física pode ser mensurada mais diretamente: nós tanto a definimos quanto a mensuramos em termos de comportamentos observados (por exemplo: caminhar uma dada distância, subir os degraus de uma escada). É também claro que dor é multidimensional: uma simples avaliação da intensidade não adequadamente reflete o contraste entre, digamos, uma dor de dente e uma queimadura. Finalmente, mensuração de dor é acima de tudo a área em que registros subjetivos representam uma mistura da força subjacente do estímulo e da resposta emocional do paciente para ela. Isto distingue dor de depressão, por exemplo.
Mensurar depressão também difere de mensurar dor no sentido de que considera depressão como uma resposta, enquanto normalmente consideramos falar da dor como um estímulo. Isto pode ser o núcleo do problema na mensuração de dor; nós tentamos inferir dor (como um estímulo) a partir da resposta subjetiva do sofredor a ela. Mas a maneira que a dor é registrada é influenciada por muitos fatores biológicos, sociais e psicológicos. Biologicamente, pode não haver uma relação linear entre a dor e a extensão da lesão tecidual: uma lesão menor pode dar origem a intensa dor e vice-versa. Uma grande parcela de indivíduos e fatores culturais, incluindo gênero, educação, personalidade e idade, têm se mostrado influenciar uma resposta de pessoa à dor. Fatores psicológicos também modificam as reações a dor, e estas podem variar Independente da força do estímulo doloroso de modo que eles não podem ser previstos disso. Assim, mais do que ocorre com outras áreas da mensuração subjetiva, os registros de dor refletem a influência combinando estímulo de dor, circunstâncias ambientais, e as características dos indivíduos vivenciando-a.
Vários métodos de mensuração de dor têm sido propostos. Historicamente estes métodos têm evoluído a partir de uma abordagem direta em que a dor é definida e, além disso, mensurada em termos da resposta subjetiva de uma pessoa para métodos mais complexos que tentam decompor o elemento subjetivo na resposta a partir de uma estimativa objetiva da dor subjacente. Por exemplo, muitos estudiosos, no passado, entenderam que a sensação de dor poderia ser abordada considerando-a unicamente como uma resposta simples-dimensional. Posteriormente, outros estudiosos começaram a empreender medidas multidimensionais da dor distinguindo dois componentes da dor: a sensação original descrita em termos de sua intensidade, magnitude e sua distribuição temporal e espacial, e o componente reativo, que foi considerada ser uma função da personalidade e de fatores emocionais e sociais. Muitos estudiosos, assim, entendem que uma mensuração psicofísica que mais compreensiva da dor deve capturar duas dimensões da experiência de dor: o aspecto sensorial e a reação emocional da pessoa.
Professor Visitante da UnB*