José Aparecido da Silva*
Na literatura psicológica (ver, por exemplo, Jonathan Haidt em Geração Ansiosa, 2024, Companhia das Letras) o termo ansiedade é usado para referir-se a varias coisas: um estado mental, uma motivação, tal como, estar ansioso em agradar; uma resposta a uma situação particular, por exemplo, estar ansioso sobre um novo emprego; um traço de personalidade, como numa pessoa ansiosa; a causa de um comportamento, por exemplo, uma pessoa que fuma para aliviar a ansiedade, e um transtorno ou desordem psiquiátrica. Estudiosos têm traduzido esta amplitude de reações e comportamentos em termos mais clínicos. De um lado, entendem que ansiedade é uma reação ao perigo, um sentimento patológico, e ansiedade como um estado neurótico ou síndrome. Ansiedade em reação ao perigo é mais branda, menos intensa, mas mais prolongada que o medo, e envolve mudanças biológicas no organismo que o prepara para manejar o estresse. Contrastando, ansiedade patológica surge não em resposta a uma ameaça externa, mas a um estímulo interno. Ansiedade é uma resposta normal às ameaças ou desafios, especialmente aqueles que são percebidos serem incontroláveis. Ela envolve um afrouxamento da estrutura cognitiva e afetiva dos sentimentos, emoções, negativas que misturam preocupações com um estado de prontidão física para lidar com os eventos negativos que surgem. O componente afetivo pode incluir um sentimento de desamparo devido à incapacidade percebida para prever ou controlar os eventos antecipados.
Por outro lado, o DSM, em diferentes versões, definiu ansiedade como uma “antecipação preocupante, apreensiva, do perigo futuro ou infortúnio acompanhado por um sentimento de disforia (mudança repentina ou transitória do estado de ânimo) ou sintomas somáticos de tensão”. Ela é, portanto, um estado orientado para o futuro, motivando a pessoa a evitar o perigo percebido; a preocupação pode vista como uma manifestação cognitiva de ansiedade. O medo, ao contrário, é uma emoção básica que é associada com uma reposta de lutar ou fugir ao perigo imediato; tipicamente surge após a exposição, enquanto a ansiedade é uma apreensão, preocupação, acerca de um potencial perigo futuro. A ansiedade não necessita ser negativa; ela pode aumentar a vigilância e a motivação e, portanto, enriquecer o desempenho e a aprendizagem. A ansiedade e suas múltiplas facetas fisiológicas, cognitivas e afetivas, podem ser mensuradas ou avaliadas a partir de ferramentas conhecidas como testes, escalas, questionários ou inventários. Como mencionamos alhures, todos estes instrumentos devem possuir propriedades metrológicas que aferem sua utilidade, fidedignidade e validade que endossam suas qualidades psicométricas. Alguns instrumentos envolvem estimativas subjetivas feitas pelas próprias pessoas, ou pelos clínicos, sendo os últimos baseados sobre as interpretações dadas aos registros verbais dos pacientes numa consulta clínica. Muitos são interpretações dos registros verbais dados por pessoas íntimas ou muito íntimas das pessoas ansiosas, tais como pais, cônjuges, professores e até mesmo colegas de trabalho ou da comunidade. As medidas, ditas objetivas, também podem ser usadas, como por exemplo, os registros eletrofisiológicos para capturar respostas do sistema nervoso central; o eletrocardiograma para registro das respostas do sistema cardiovascular; medidas da taxa de respiração e profundidade; medidas do sistema gastrointestinal; motilidade estomacal; medidas das respostas galvânicas da pele e do suar palmar, entre outras.
Uma escala muito conhecida e aplicada na população brasileira, e no mundo, é a Escala ou Inventário de Ansiedade de Beck (BAI; Aaron Beck, seu criador), cujas propriedades psicrométricas têm sido bem comprovadas. É um instrumento envolvendo o registro verbal por parte da pessoa dita ansiosa, que mensura a severidade da ansiedade percebida e auto avaliada, especialmente em adultos e adolescentes. A BAI consiste em vinte e uma questões sobre a ansiedade, focando como os participantes têm se sentido na última semana, expressas em sintomas comuns de ansiedade (como sudorese e sentimentos de angústia). Cada questão apresenta quatro possíveis respostas, e a que se assemelha mais com o estado mental do indivíduo deve ser indicada, registrada. As possíveis respostas são: Não, Levemente: não me incomodou muito, Moderadamente: foi desagradável, mas pude suportar, Severamente: quase não suportei. A BAI pode ter um resultado máximo de 63 e as categorias são: 0-10: grau mínimo de ansiedade, 1-19: ansiedade leve, 20-30 ansiedade moderada e 31-63 ansiedade severa.
Vários outros instrumentos existem que visam capturar, mensurar e avaliar, as várias facetas da ansiedade. Devemos sempre enfatizar que todos os instrumentos devem possuir coeficientes de fidedignidade e de validade estatisticamente aceitos, bem como terem substancial utilidade clínica. Recomendamos fortemente a leitura, obrigatória, do livro Geração Ansiosa, no início indicado.
Professor Visitante da UnB-DF*