Tribuna Ribeirão
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Mensurando Psicologia (35): Nível Educacional 

José Aparecido Da Silva*  

Há um amplo conjunto de concepções inter-relacionadas – entre cientistas sociais, jornalistas, políticos, burocratas, educadores, psicólogos e outros públicos educados – de que o nível socioeconômico substancialmente determina o nível educacional e os subsequentes resultados ocupacionais e econômicos nas sociedades ocidentais contemporâneas. De fato, credita-se que diferenças entre estudantes, ou entre escolas, nos resultados nos testes padronizados (educacionais, escolásticos, desempenho e de habilidades cognitivas), no desempenho global dos estudantes, na evasão escolar precoce, na admissão nas universidades e na aquisição escolar geral sejam, principalmente, devido ao nível socioeconômico. E isto explica porque a mobilidade entre gerações é tão pequena nas sociedades ocidentais.   Como corolário, o status ou nível socioeconômico da ocupação de uma pessoa tem uma íntima conexão com aquela de seus pais ou família de origem. Similarmente, as desigualdades salariais, renda e riqueza refletem, fundamentalmente, as desigualdades sociais e econômicas nas gerações parentais. Estas concepções, invariavelmente, fomentam os debates políticos e acadêmicos sobre as políticas públicas que devem ser implementadas visando criar uma sociedade mais justa. 

Por outro lado, há também um generalizado entendimento de que habilidade cognitiva (isto é, inteligência) é irrelevante para a educação e subsequentes desigualdades econômicas. Visando sustentá-lo usa-se uma variedade de argumentos: o conceito de habilidade cognitiva, ou inteligência, é de algum modo inválido; não há tal coisa como inteligência; há múltiplas inteligências; os testes de inteligência não medem nada mais que alguma consequência em vez do desempenho nos testes de QI; habilidade cognitiva, simplesmente, não é importante para os escores educacionais e para o desempenho no mercado de trabalho adulto; ou que sua aparente importância é simplesmente um reflexo do nível socioeconômico. Ademais, é frequentemente arguido que o próprio conceito de habilidade cognitiva perpetua as desigualdades através da propagação de falsas ideologias meritocráticas.  Contrastando, atributos não cognitivos, tais como, liderança, motivação, perseverança, autoestima, fatores de personalidade, inteligência emocional, estar no controle e, especialmente, cultura, são considerados como mais importantes para a educação e mercado de trabalho do que a inteligência, ou habilidade cognitiva. 

Para agravar o cenário, há uma crença generalizada de que nada tem mudado – a reprodução das desigualdades socioeconômicas nas sociedades modernas permanece tão forte quanto antes – apesar de mudanças massivas na participação educacional, políticas públicas implementadas para reduzir a desigualdade de oportunidades, a melhorias dramáticas na saúde, bem-estar social e econômico. A despeito dos ideais democráticos, educação não reduziu a reprodução das desigualdades socioeconômicas entre gerações, mas ao contrário perpetuou-as.  Assim considerando, esta visão pessimista implica que os dirigentes públicos estão gastando seu tempo e dando credenciais ao, surpreendentemente duradouro, mas frequentemente não assumido, argumento de que a reprodução das desigualdades socioeconômicas nas sociedades ocidentais contemporâneas pode apenas ser aliviada por uma transformação radical das instituições econômicas e sociais das sociedades. 

Entretanto, todos estes argumentos de que a reprodução das desigualdades socioeconômicas entre gerações é forte e persistente nas sociedades ocidentais industrializadas, e que a habilidade cognitiva é irrelevante, são simplesmente falsos. São falsos porque não são consistentes com o amplo e variado conjunto de evidências sustentado por estudos cientificamente orientados. De fato, há uma imensa literatura científica demonstrando que inteligência tem robustas associações com uma ampla variedade de resultados educacionais: desempenho escolástico ou nos escores dos testes; desempenho acadêmico (séries escolares); diferenciação educacional, isto é, distribuição de estudantes a diferentes tipos de escolas e diferenciação curricular dentro das escolas; tempo de escolaridade e evasão escolar; admissão e evasão nas universidades.  Em adição, habilidade cognitiva é também associada com resultados no mercado de trabalho: participação no mercado laboral, desemprego, renda e aquisição ocupacional. Seus efeitos não são triviais, independente da educação, e duradouros ao longo de toda a carreira ocupacional. A literatura também mostra que, nível socioeconômico, contrariamente ao que a maioria entende, não importa como ele é mensurado, é apenas moderadamente associado com os resultados educacionais e, principalmente, com as desigualdades socioeconômicas. O demônio está nos pequenos detalhes. 

Professor Visitante da Universidade de Brasília (UnB-DF) * 

 

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