Tribuna Ribeirão
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Mensurando Psicologia (3): Desafios das Medidas   

José Aparecido Da Silva* 

 

Nós nunca estaremos seguros que uma mensuração é perfeita. Quando você consulta-se com um médico, é usual que as mensurações feitas por ele ou pelo assistente de sua pressão sanguínea (PA) varie um pouco dependendo do momento das medidas. Mesmo o uso de instrumentos científicos altamente precisos é potencialmente afetado por vários erros, e não menos importante é o erro humano na leitura dos instrumentos. Todas as mensurações, e portanto todas as ciências são afetadas por vários desafios que podem reduzir a precisão da mensuração. A despeito das muitas similaridades entre as ciências, mensuração nas ciências do comportamento tem desafios especiais que não existem ou são grandemente reduzidos nas ciências físicas. Estes desafios  afetam nossa confidência em nosso entendimento e interpretação das observações comportamentais. Um dos grandes desafios relaciona-se à complexidade dos fenômenos psicológicos; constructos tais como inteligência, felicidade, liderança, criatividade, amor, ansiedade, depressão, auto-estima, narcisismo, perfeccionismo e muitos outros têm muitos aspectos deles. Assim, um dos primeiros desafios é tentar identificar e capturar os importantes aspectos destes tipos de atributos humanos num simples escore numérico. 

A reatividade do participante é um outro grande desafio para os estudiosos das medidas em ciências do comportamento. Devido ao fato de que, na maioria dos casos, os psicólogos estão mensurando características psicológicas das pessoas que estão conscientes e, geralmente, conhecem que estão sendo mensurados, portanto, o ato de mensuração pode por si próprio influenciar o estado ou o processo sendo mensurado. Por exemplo, suponha que você esteja respondendo a um questionário construído para determinar se você é racista. Suas respostas à várias questões, itens do questionário, podem ser influencias pela sua intenção de não ser retratada como racistas mais do que por suas atitudes a respeito de pessoas que pertençam a grupos étnicos ou raciais diferentes do seu próprio.  Portanto, o conhecimento que as pessoas têm de que elas estão sendo observadas, mensuradas, pode levá-las a reagirem de maneira a mascarar a interpretação do comportamento que está sendo observado, registrado. Obviamente, isto não é um problema quando as dimensões sendo mensuradas pertencem aos objetivos físicos, por exemplo o comprimento ou o peso de um objeto qualquer. 

Outro desafio da mensuração dentro do domínio das ciências do comportamento é que, nas ciências do comportamento, as pessoas coletando, mensurando, os dados comportamentais (observando o comportamento, tabulando um teste, interpretando uma resposta verbal, etc.) podem trazer vieses e expectativas para a tarefa. A qualidade da mensuração é comprometida quando os observadores, os avaliadores, permitem que essas influências distorçam suas observações. Efeitos de expectativa e de vieses dos avaliadores podem ser muito difíceis de serem detectados. Na maioria dos casos, é verdade que as pessoas que coletam dados comportamentais não está conscientes destas influências, mesmo que elas sejam sutis e não intencionais e nem percebem que elas podem afetar as mensurações registradas.  

As medidas usadas nas ciências do comportamento tendem a diferir daquelas usadas nas ciências físicas em outro aspecto muito importante.  Os psicólogos baseiam-se em escores (pontuações) compostas quando mensurando atributos psicológicos. Muitos testes, escalas, questionários, inventários usados pelos psicólogos envolvem uma série de itens, questões, que tentam mensurar, avaliar, algum aspecto de um atributo psicológico particular ou processo. Por exemplo, racismo nas escolas. É prática comum pontuar cada item, questão, e então adicioná-los, de algum modo, combinando os escores dos itens para criar um escore total ou composto. O escore total representa a medida final do constructo relevante, por exemplo, um escore de racismo. De outro lado, quando mensurando um atributo físico do mundo, como o comprimento de um pedaço de madeira, o peso de uma fruta qualquer, ou a velocidade de um carro em movimento, os cientistas podem usualmente se basearem num único, simples, valor obtido de um simples tipo de mensuração. 

Um quarto desafio na mensuração psicológica é a sensibilidade do escore, da pontuação. Sensibilidade refere-se à habilidade de uma medida para discriminar adequadamente quantidades significativas ou unidades da dimensão que esta sendo mensurada. Os psicólogos devem ter em mente que um procedimento para mensurar um atributo psicológico ou processo pode não ser sensível o suficiente para discriminar entre diferenças reais que existem no atributo ou processo. Pense por exemplo, que um clínico queira saber as diferenças entre as magnitudes da intensidade de dor antes e depois de um procedimento medicamentoso. Talvez, o procedimento não seja capaz de diferenciar entre pequenas diferenças nos escores. 

Um desafio final é a aparente falta de consciência de importantes informações psicométricas. Nas ciências do comportamento, particularmente na aplicação em ciências comportamentais, mensuração psicológica é frequentemente uma atividade social ou cultural. Os resultados, em geral, têm enormes e variados impactos na vida das pessoas sendo mensuradas e na sociedade em que as mesmas se inserem.  Muitos destes testes impactam a vida das pessoas ao longo de toda a sua trajetória individual e coletiva. Infelizmente, tais mensurações frequentemente parecem ser conduzidas com pouca ou nenhuma consideração à qualidade dos testes, a qual veremos mais adiante. 

Professor Visitante da UnB-DF* 

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