Tribuna Ribeirão
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Mensurando Psicologia (19): Dor pós-operatória 

Dedico esta crônica à Deputada Erika Kokay por ter apresentado a PL 3525/19 garantindo por parte do SUS o atendimento multidisciplinar e integral das pessoas que sofrem de dor. 

José Aparecido Da Silva* 

A avaliação da dor clínica é, usualmente, baseada nos registros verbais ou nos descritores comumente usados pelos pacientes para descreverem a dor que estão vivenciando naquele momento. Um problema que existe relaciona-se ao grau em que esses descritores verbais, comumente utilizados, compartilham os mesmos significados entre as principais dimensões da dor. Isto porque um dado descritor de dor pode ter mais do que um significado associado a ele. Isto levou, por exemplo, a desenvolverem o questionário de avaliação de dor McGill como um instrumento para avaliar as qualidades sensoriais, afetivas e avaliativas da dor, juntamente com vários outros aspectos, tais como intensidade, padrão e localização. Este questionário tem sido traduzido e padronizado para diferentes culturas, raças e sexos, haja vista a grande variabilidade no significado dos diferentes descritores de dor usados pelos pacientes para descrever tanto a dor clínica aguda quanto a crônica. 

De fato, aparentemente, todos concordam que a dor constitui uma experiência subjetiva, pessoal e multidimensional que envolve dimensões psicológicas, comportamentais, afetivas, cognitivas e sensoriais. Por ser um fenômeno multifacetado, a dor é também afetada pela experiência passada e pela cultura. Assim, medir a intensidade da dor é de suma importância para os pesquisadores e para os clínicos, pois a sua mensuração é essencial para a avaliação dos métodos que a controlam. A avaliação/mensuração da dor é um pré-requisito fundamental para o seu tratamento e manipulação eficazes. Visto que a dor é uma experiência genuinamente subjetiva, apenas aqueles que a sentem podem determinar sua severidade e a adequação de seu alívio. Em outras palavras, apenas a perspectiva do paciente é a correta e, portanto, suas autoavaliações são as mais acuradas e as mais confiáveis. Por consequência, é razoável questionar como tal fenômeno pode ser avaliado ou mensurado. Pelo fato de a dor ser uma experiência subjetiva é possível somente avaliá-la ou mensurá-la por meio das variadas respostas ou reações manifestadas pelas pessoas que a vivenciam. 

Entretanto, qual aspecto da dor deve ser primariamente considerado, avaliado ou mensurado? Sua intensidade ou os seus variados componentes hedônicos? Para isso, torna-se essencial definir ou esclarecer o que significam os termos avaliação e mensuração no contexto da dor. Por exemplo, a resposta comportamental diferencial a uma incisão cirúrgica pode ser influenciada por muitas variáveis, incluindo fatores psicológicos, tais como, personalidade, sexo, idade, história cultural, síndrome dolorosa pré-existente, genética e tipo e natureza da abordagem cirúrgica. Ademais, medo, ansiedade, depressão, raiva e mecanismos de enfrentamento podem afetar a percepção de dor. 

Milhões de cirurgias são realizadas anualmente necessitando do uso frequente do manejo da dor pós-operatória. Há muito tipos de cirurgias e, respeitadas as exceções, a maioria é dolorosa. Medo de dor descontrolada está entre as preocupações primárias de muitos pacientes que irão se submeter a uma cirurgia. Certamente, é de grande importância conhecer quais procedimentos cirúrgicos resultam em dor severa e, por conseguinte, quais estratégias analgésicas otimizadas para esses procedimentos podem ser adequadamente administradas ao paciente. 

Todavia, não há uma ampla comparação das intensidades de dor percebida dentre os inúmeros procedimentos cirúrgicos que têm sido desempenhados nos milhões de hospitais espalhados pelo mundo. De fato, seria interessante saber um ranking acerca da intensidade de dor dos diferentes procedimentos cirúrgicos. Ou seja, o que doeria mais: uma cirurgia não estética para câncer de mama, uma hemorroidectomia, uma colecistectomia ou uma cirurgia torácica? Para responder a tais questões, um estudo, publicado na revista Anesthesiology, em 2013, considerou 115.775 pacientes de um total de 578 alas cirúrgicas em 105 hospitais alemães, encontrando um total de 70.764 pacientes que alcançaram os critérios de inclusão para o estudo. No primeiro dia pós-operatório foi solicitado aos pacientes estimarem, numa escala de estimativa numérica de 0 a 10, sua pior intensidade de dor desde a cirurgia. A partir disso, todos os procedimentos cirúrgicos foram designados a 529 grupos bem definidos. Finalmente, 50.523 pacientes, dos 179 grupos cirúrgicos, foram comparados em relação a esta primeira estimativa. Os 40 procedimentos com os escores mais elevados de dor, entre 6 e 7 na escala numérica, incluíram 22 procedimentos ortopédico- traumáticos nas extremidades, com os pacientes registrando, também, escores mais elevados de dor após procedimentos cirúrgicos de pequeno porte, incluindo apendicectomia, colecistectomia, hemorroidectomia e amigdalectomia, as quais se classificaram entre os 25 procedimentos com intensidade de dor mais elevada. Uma parcela de cirurgias abdominais de grande porte resultou, comparativamente, em menores escores da dor frequentemente causados por analgesia epidural insuficiente. 

Assim considerando, algumas cirurgias de pequeno e médio porte, incluindo algumas com procedimentos laparoscópicos, resultaram, inesperadamente, em altos níveis de dor pós-operatória. Como consequência, para reduzir o número de pacientes sofrendo de dor severa, pacientes submetendo-se a cirurgias de pequeno porte, deveriam ser monitorados mais particularizadamente e as necessidades de tratamento pós-cirúrgico, serem associadas a natureza dos procedimentos cirúrgicos específicos. O mais importante desse estudo é que, em muitos procedimentos cirúrgicos analisados, o tamanho da incisão e a extensão do trauma tecidual não foram relacionadas à intensidade da dor pós-operatória percebida pelos pacientes. Além disso, também ficou claro que, a partir dos dados do estudo, muitos clínicos parecem subestimar as necessidades dos pacientes para medicação analgésica, especialmente após pequenos procedimentos cirúrgicos. 

Concluindo, o manejo da dor pós-operatória deve considerar um regime de analgesia multimodal, ajustável às necessidades do paciente, levando em consideração suas condições médicas pré-existentes, bem como, os tipos de cirurgias e vivências prévias relacionadas com o manejo de sua dor aguda e crônica. 

Professor Visitante da UnB-DF* 

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