Tribuna Ribeirão
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Mensurando Psicologia (17): PISA, ENEM, FUVEST e Inteligência 

José Aparecido Da Silva* 

 

Habilidade cognitiva é um conceito bastante amplo que inclui cada habilidade ou capacidade que requer qualquer nível de pensamento ou raciocínio; portanto, compreendendo tanto a inteligência geral (g), bem como as habilidades específicas. Inteligência, algumas vezes denominada de inteligência geral, é a mais aplicável e a mais importante de todas as habilidades cognitivas. Definindo-a como uma capacidade geral para raciocinar, aprender e entender ideias complexas lhe falta o grau de precisão frequentemente necessário para a investigação científica. Por causa disso, muitos estudiosos, principalmente os psicometristas, usam o conceito de “g”, descoberto por Charles Spearman (1863-1945) quando ele observou que, numa série de testes acadêmicos e um teste de discriminação de tons, crianças que desempenhavam bem num teste tendiam a desempenhar bem em todos os outros testes. Similarmente, crianças que realizavam pobremente num teste tendiam a pontuar pobremente nos demais.  Spearman então concluiu que a mesma habilidade mental causava as pessoas desempenharem similarmente em todos estes testes e, mais importante, um fator geral comum, abreviado de “g, estava subjacente a todos os testes e era o mais fundamental para o desempenho em todos os testes. Ele afirmou que ele era equivalente a inteligência geral.   

Muitos estudiosos da inteligência humana concordam com Spearman aceitando a hipótese de que “g” é equivalente a Inteligência geral, mas outros argumentam que inteligência é um conceito que não é exato o suficiente para ser útil e que carrega uma grande bagagem cultural que pode não se aplicar aos achados relacionados à “g”. Também, outros afirmam que inteligência inclui habilidades muito além de “g”, incluindo criatividade, aprendizagem implícita ou outros traços que não são mensurados nos testes de inteligência. O que os estudiosos, entretanto, concordam é que “g” é uma habilidade mental geral que é relacionada à todas as habilidades mentais, que ajuda os indivíduos a criarem e executarem planos, engajarem em raciocínio e aprenderem, que tem grandes implicações para a vida real.  O fator “g”, ele próprio, não é uma simples soma de um conjunto, um agregado, de habilidades mentais. Ao contrário, análises estatísticas complexas, conhecida como análise fatorial, mostra a intersecção das variâncias dos escores de diferentes tarefas e elimina o componente único de cada um destes testes. Esta intersecção, esta porção comum, de todos os escores é o fator de habilidade geral, ou “g”.  Pelo fato de “g” ser o ingrediente-ativo da habilidade que é mensurada em todas as tarefas cognitivas num teste de inteligência, a medida de “g” (em outras palavras, um escore de QI) tem pouco a ver com cada tarefa específica.  

Assim considerando, “g” não é uma mistura ou uma média de um número de diversos testes representando muitas diferentes habilidades. Ao contrário, “g” é um destilado, representando um fator simples que todas as diferentes manifestações da cognição têm em comum.  Ele não reflete o conteúdo do teste per se, ou qualquer tipo particular de desempenho.  Como todas estas tarefas têm uma característica comum – “g” – é possível, então, haver uma medida global de habilidade mental.   Também é importante mencionar que “g” é indiferente ao formato dos itens de um teste, isto é, o conteúdo aparente, da superfície de um teste, não importa muito (sejam eles verbais, pictóricos, numéricos, informativos, conhecimento, matrizes, espaciais, codificação etc.), todos os itens cognitivos medem inteligência e “g” é indiferente ao formato dos itens de um teste. Vejam o caso do próprio ENEM, no Brasil, e o SAT, nos Estados Unidos. Ambos foram feitos para mensuração exclusiva de desempenhos acadêmicos, mas seus resultados se correlacionam muito com os testes de inteligência quando ambos são aplicados em grandes amostras concomitantemente. Por este motivo, ambos foram designados para mensurar processos cognitivos, e não “g”. Mas, ainda assim, eles medem “g” de algum modo. Outros testes escolásticos muito conhecidos são o PISA, aplicado em várias nações e o FUVEST, conhecido teste para seleção para as universidades, especialmente para as diferentes unidades da USP. 

Tal fato não nos surpreende porque se testes de “processos cognitivos” medem “g”, é porque inteligência é a habilidade para solucionar problemas, que é claramente um processo cognitivo. Assim, a criação acidental de testes de inteligência não acontece apenas em psicologia. A razão por que outros testes podem funcionar iguais aos testes de inteligência é que o conteúdo aparente de um teste não é o que determina o traço que um teste mede. Ao contrário, a habilidade mental, ou funções, que um teste requer que os examinandos usem é o que determina o que o teste mede. Pelo fato de inteligência ser uma habilidade geral, muitas diferentes tarefas requerem que os examinandos usem sua inteligência, o que resulta no fato de uma ampla variedade de formatos de questões num teste podem medir inteligência, mesmo se esses testes não se assemelhem entre si. Assim é que muitas medidas psicológicas com diferentes nomes e distintos itens como, por exemplo, habilidade acadêmica, aptidão, habilidade escolástica e desempenho escolástico podem, e frequentemente o fazem, mensurar a mesma coisa, ou seja, a inteligência. 

O fato de uma grande quantidade de testes medir inteligência é uma clara e factual evidência para a indiferença do indicador. A propósito, Dr. Hélio Schwartsman em seu brilhante texto 32 milhões de palavras; Folha de S. Paulo: 30 de outubro de 2024 arguiu, em relação ao ENEM, que há uma alta correlação entre o desempenho dos escores da prova de redação e aqueles nos testes de outras disciplinas. Uma clara demonstração de um “g” escolástico e da indiferença do indicador. E é devido à indiferença do indicador que os escores nos diferentes testes serem positivamente correlacionados, pois eles todos medem inteligência. E, embora a indiferença do indicador seja amplamente aceita como um fato entre os pesquisadores de inteligência, o mesmo é um conceito pobremente entendido fora do campo da inteligência. Por este fato, portanto, que muitos estudiosos do tema e psicólogos que tentam analisar os testes em seu conteúdo aparente acabam produzindo interpretações incompletas ou incorretas dos dados de inteligência. Outra consequência do pobre entendimento da indiferença do indicador é que isto leva a más interpretações dos escores dos testes. 

A indiferença do indicador tem uma implicação importante sobre “g”. Devido ao fato do conteúdo e da aparência de um item de um teste não importarem quando mensurando “g”, a natureza de “g” é independente de qualquer item do teste. Em outras palavras, “g” não é um produto da configuração de um teste, mas, sim, ao contrário, questões de um teste eliciam “g” encorajando as pessoas a demonstrarem os comportamentos que são causados por “g”, tais como solucionar problemas abstratos e engajar em trabalhos cognitivos completos. Não há nenhum teste conhecido que meça habilidades cognitivas sem também mensurar “g” e, mesmo os criadores de testes, que tentaram minimizar a influência de “g” e enfatizar habilidades específicas, fracassaram em suas tentativas, acabando por criar testes que, em sua maioria, medem “g”. 

 

Professor Visitante da UnB-DF* 

 

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