Tribuna Ribeirão
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Mensurando Psicologia (12): Consenso Literário 

José Aparecido da Silva* 

 

Entende-se por consenso uma concordância de ideias, opiniões, atitudes, sentimentos ou impressões que geram um quadro de acordo, anuência e consentimento entre indivíduos, evitando-se qualquer tipo de rejeição em relação a um determinado assunto. Nessa regência de comportamentos, em que o consenso pode ser entendido como fator de agregação, explica-se sua importância para a existência, e manutenção, do equilíbrio social no que se refere aos objetivos de um sistema, a distribuição de funções, a atribuição de premiações, a agregação de equipes por capacidades, entre outros. Historicamente, a expressão consenso universal, ou, em latim, consensus gentium, significando “acordo do povo”, é um antigo critério de validação da verdade que expressa um acordo de todos os homens quanto a uma ideia ou a uma opinião, que chegam a ser aceitas como verdadeiras só pelo simples fato de ser defendida por todos. Por se tratar de opinião, ou posição, maioritária de um grupo ou de uma comunidade, pode ser utilizado no sentido de identidade partilhada pelos membros desta, o que lhe permite estabelecer a ordem, de forma implícita e explícita. Uma vez vinculado a um indivíduo pensante, e a sua forma pessoal e particular de emitir julgamentos, o consenso é dito subjetivo, pertencendo ao domínio da consciência humana, baseado na interpretação individual do indivíduo. Mensurar consenso subjetivo, portanto, consistem em comparar conjuntos de opiniões, de ideias, de sentimentos ou de impressões, atentando-se para aquele que melhor atende atribuições de valor e de desempenho em determinado contexto social. A Psicofísica Social-Cognitiva pode ser entendida como uma área de conhecimento que estuda a relação entre a experiência sensorial num determinado ambiente e os estímulos físicos que a condicionam, voltada à compreensão e explicação sobre como as pessoas se percebem a si próprias e aos outros, e como é que essas percepções permitem explicar, prever e orientar o comportamento social, tais como, a empatia, a cooperação e a confiança, por exemplo. Interessada em como as pessoas processam, armazenam e aplicam informações sobre outras pessoas e situações sociais, a Psicofísica Social-Cognitiva concentra-se no papel que os processos cognitivos desempenham nos julgamentos e nas percepções sociais decorrentes das contínuas interações sociais. 

Uma vez que a subjetividade é um conjunto de ideias, significados e emoções baseados no ponto de vista do sujeito, como tal ela apresenta-se influenciada por seus interesses e desejos particulares, opondo-se à objetividade, que produz o que pode ser verificável por diferentes sujeitos. Por sua vez, a avaliação qualitativa, também aplicável no estudo do consenso subjetivo, pode ser entendida como uma forma de avaliação que busca compreender subjetividade e leva em consideração aspectos humanos e pessoais de cada indivíduo. Lembrando que escalas de mensuração subjetiva são métodos de avaliação de determinados elementos indicados pela percepção efetuada por indivíduos compostos de diferentes julgamentos que permitem a avaliação de diferentes atributos associados ao comportamento subjetivo. Vejamos como mensuramos nossa preferência por contos, especialmente aqueles da literatura brasileira. Há vários contistas reconhecidos e muitos contos maravilhosos. Machado de Assis, talvez, o maior dos nossos contistas, é, para mim, a maior expressão deste gênero na literatura brasileira. Dentre os seus inúmeros contos, cada qual mais maravilhoso que outro, me lembro aqui, de imediato, do “O Alienista”, talvez sua obra-prima, “A Igreja do Diabo”, mais atualizado que nunca numa nação onde proliferam fake news e Templos em seus quatro quadrantes, “O Espelho” o qual para mim Machado se revela como o maior dos nossos psicólogos penetrando na Natureza da Alma humana. Há muitos outros profundos tão profundos quanto a psicologia humana. 

Todavia, especialistas, literatos, leitores, sempre se deparam com a complexa tarefa (às vezes multifacetada) de fazer escolhas, classificar, ranquear, ordenar os seus melhores contos (o mesmo vale para outras obras literárias e para outros grandes escritores). Por exemplo, dentre os livros que tenho sobre os contos de Machado de Assis aprecio aquele intitulado “Machado de Assis: seus 30 melhores contos”.  Livro magnífico, escolhas baseadas em algumas evidências científicas. Logo na Nota Editorial, a Editora (Editora Nova Fronteira) comenta que não quis arcar com a responsabilidade da escolha e considerando a complexidade e a multifacetada tarefa procurou aproximar-se da maior objetividade possível solicitando para isso que algumas das maiores autoridades mais versadas e competentes na matéria (literatura, contos, romances) fizessem um ordenado dos contos machadianos. Feito isto, foram escolhidos os 30 melhores que representavam toda a variada gama do conto machadiano. O método de ordenação é um dos métodos psicofísicos mais simples da grande e vasta literatura psicofísica. Ele se assemelha ao de classificação haja visto que também se pede aos participantes  para que coloquem os estímulos (no caso, os contos de Machado de Assis) em categorias. No entanto a característica básica do método de ordenação é que se pede ao participante de colocar um, e apenas um dos estímulos (contos) a disposição em cada ordem. Além disto, contínuo, categoria ou série de ordens é definido por algum termo como o melhor ou o mais brilhante ou o mais bonito, o mais profundo, o mais preferido, o mais emocionalmente emotivo, de tal maneira que o indivíduo deve ser instruído para selecionar o estímulo mais preferido (ou qualquer outro atributo predeterminado) para a primeira categoria, o segundo mais preferido para a segunda categoria e assim por diante, até que o estímulo menos preferido seja colocado na última categoria. Assim no método de ordenação o sujeito deve colocar os estímulos ao longo de um contínuo de maneira que um estímulo fique em primeiro lugar, outro em segundo, e assim sucessivamente. O experimentador fornece o contínuo sobre o qual os sujeitos ordenam os estímulos, o sujeito pode colocar um estímulo em cada categoria. Isto quer dizer, se pede para dar o primeiro lugar somente a um estímulo, o segundo ao outro e assim por diante. 

Na ordenação, portanto, tal como no método de categorias sucessivas se pede ao sujeito de colocar cada estímulo numa categoria e pode ter mais de um dentro de uma categoria, mas na ordenação apenas um estímulo deve ser colocado em cada categoria. Entretanto, em linguagem técnica, como a tarefa do sujeito é julgar qual o estímulo tem, mas da qualidade que se está julgando sem dar a magnitude da diferença, a ordenação produz uma escala ordinal. Ao final, foram calculadas as médias de todas as ordenações dos contos apresentados a todos os participantes. A lista é linda, realmente os 30 melhores contos espelham um consenso, uma concordância altamente significativa. Na lista estão: A Chinela Turca, O Alienista, D. Benedita, O Espelho, A Igreja do Diabo, O Enfermeiro, Uns Braços, Entre Santos, Um Homem Célebre, Missa do Galo, Pai Contra Mãe, A Cartomante, Uma Senhora, Noite de Almirante, Cantiga do Esponsais, Teoria do Medalhão. Em lendo, todos, ainda que nada ordem que melhor lhe convier, todos vocês chegarão à seguinte conclusão: O Bruxo do Cosme Velho foi o maior dos psicólogos nascidos em nossa terra. 

 

Professor Visitante da UnB-DF* 

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