Tribuna Ribeirão
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Mensurando Psicologia (1): Passado e Futuro 

José Aparecido da Silva* 

O nosso objetivo principal nessa nova série intitulada Mensurando Psicologia, é compartilhar com os leitores algumas ideias sobre os desafios da mensuração, bem como sobre a natureza da mensuração em psicologia no passado e nos dias de hoje e como a psicometria será transformada pelos progressos das tecnologias de mensuração, incluindo os avanços recentes da Inteligência Artificial (IA) que já penetram mais intensamente nas avaliações e mensurações dos construtos psicológicos complexos. Na história dos números, a necessidade elementar e universal de avaliar a numerosidade foi mãe da mensuração. A princípio, mensurações grosseiras foram suficientes para certos propósitos, mas com o passar do tempo  uma maior acurácia e uma maior precisão foram requeridas dos instrumentos de mensuração. A operação primitiva de emparelhamento, ou seja, o emparelhamento de um item (alguma coisa, algo, um camelo) com um traçinho (um risco no chão, uma pedrinha, um palito, um grão de feijão) numérico parece ter sido o primeiro uso humano de um sistema numérico para expressar quantidade. Depreende-se assim que o princípio básico que subjaz a qualquer operação de mensurar é o emparelhamento de um item (algo, uma coisa) a outro item (algo, outra coisa). Usualmente emparelham-se números a diferentes estímulos, itens, coisas; mas, podemos também emparelhar estímulos a outros estímulos. 

Qualquer que seja a natureza da operação, mensurar, enquanto determinar e avaliar, por meio de instrumentos, ou técnicas de medida, o que quer que seja, é fundamental para toda investigação científica. E, talvez por isto, ao longo da história da ciência, tanto filósofos, quanto cientistas destacaram a importância da mensuração. Para Protágoras, o homem era a medida de todas as coisas. Para Galton, sempre que pudéssemos, deveríamos contar. Para Lord Kelvin, quando não pudéssemos mensurar, em nada contribuiríamos para o avanço da ciência. Para Max Planck, um experimento é uma questão que a ciência coloca à natureza e uma mensuração é o registro da resposta da natureza. Ele também afirmou: Apenas o que pode ser mensurado é real. Para Thorndike, se alguma coisa existe, ela existe em certa quantidade e pode ser mensurada. Logo, mensurar era, e continua sendo, essencial para a pesquisa e tomada de decisões em diversas arenas da vida.  

Ao longo de sua história, a Psicologia enfrentou dois grandes problemas fundamentais. O primeiro, o estudo quantitativo das relações entre as características físicas dos estímulos e as sensações que suscitavam nos sujeitos em função das quais se assinalam valores numéricos aos estímulos, em essência o Problema Psicofísico. Situa-se aqui a determinação dos limiares da sensação, bem como as leis psicofísicas governando a relação entre os estímulos físicos e as magnitudes percebidas dos mesmos. O segundo, o problema da quantificação das diferenças individuais mediante a designação de números aos sujeitos em função do grau em que manifestam um atributo ou um comportamento. Situam-se aqui o desenvolvimento dos variados testes de inteligência, de personalidade e dos incontáveis atributos psicológicos humanos. A American Psychological Association (APA) estimou, certa vez, que mais de 20.000 medidas (instrumentos) psicológicas são criadas anualmente, fato que por si só reflete, de um lado, a ampla diversidade de diferentes atributos psicológicos que os estudiosos querem mensurar, e, de outro lado, representa muitos dos desafios da mensuração das diferenças individuais. 

Parece-nos, todavia, que esta Era Iluminista das Medidas em Psicologia está se reenquadrando numa visão que traz consigo os avanços recentes da tecnologia e suas naturezas, os quais já não estão nos permitindo separar a inteligência humana geral da inteligência artificial geral. Chamamos aqui esta nova tendência de A Terceira Era da Mensuração Psicológica. Especificamente, a Era da Inteligência Artificial Geral em Psicometria. Estudos recentes têm mostrado que os algoritmos de Inteligência Artificial (IA) podem detectar padrões sutis nas ondas cerebrais que se correlacionam com estados ou características psicológicas específicas, oferecendo uma medida mais direta e objetiva dos fenômenos psicológicos. O papel da IA ao avanço da coleta e filtração de dados psicolingüísticos amplia o seu impacto na psicometria. A primeira faceta desta exploração envolve a teoria da dissonância cognitiva. A capacidade da IA processar e analisar vastos conjuntos de dados permite uma compreensão mais sutil de como os indivíduos resolvem a dissonância cognitiva. Isto é particularmente relevante no contexto dos algoritmos psicométricos, que oferecem uma medição mais precisa dos traços psicológicos em comparação com os métodos tradicionais. 

Por sua vez, em relação a como usar IA para testes psicológicos, verifica-se que a tecnologia de IA oferece ferramentas valiosas para terapia e pesquisa, combinando técnicas como coleta e filtração de dados (gerando novas informações a partir de análises profundas de grandes quantidades de dados) e análises especializadas. Abre o potencial para diagnosticar problemas existentes e potenciais e testar e confirmar previsões, como por exemplo, identificar uma série de fatores associados à ideação e ao comportamento suicida. As descobertas levaram a uma série de intervenções preventivas para indivíduos em risco que reduziram a probabilidade de suicídio e reforçaram o bem-estar psicológico, os sentimentos de autoestima e as razões para viver. Ademais, a IA revela que os diferentes traços de personalidade podem ser gerados como apenas um; que as variadas e múltiplas inteligências podem ser agregadas em apenas uma inteligência geral. Que as discussões acerca de se ansiedade e personalidade são traços ou estados deixam de existir. Que a escolha da intervenção psicológica é uma questão de segundos, tal qual a probabilidade de sucesso. Tempos modernos, numa sociedade complexa e com pressa. 

Assim, a tecnologia apropriada de IA fornece os meios para reunir informações fragmentadas, construir modelos mentais, testar a sua validade e sugerir tratamentos. A IA Generativa afasta a avaliação da saúde mental das limitações das escalas de avaliação e aproxima-se da linguagem natural do paciente. Uma luz no final do túnel? 

Professor Visitante da UnB* 

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