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Medo se instala nas escolas

REPRODUÇAO

Adalberto Luque

Pelo menos 1,1 milhão de estudantes de escolas públicas com 14 anos ou mais e 40 mil professores da rede estadual de ensino já sofreram algum tipo de violência. É o que con­cluiu a projeção de um levan­tamento feito pelo Instituto Locomotiva e pela APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) entre 30 de janeiro e 21 de fevereiro de 2023.

O trabalho resultou na publicação “Ouvindo a Co­munidade Escolar: Desafios e Demandas da Educação Pública de São Paulo – Desta­ques: Violência”. Os números assustam. De acordo com o levantamento, 48% dos estu­dantes e 19% dos professores já sofreram algum tipo de violência nas escolas públicas onde estudam ou lecionam.

E a questão não demonstra ser nenhuma novidade, pois 73% dos familiares, 71% dos estudantes e 41% dos profes­sores souberam de casos de violência nas escolas que fre­quentam. Em todos os perfis ouvidos durante a pesquisa, a maior parte dos entrevista­dos considera média ou alta a violência nas escolas estaduais de São Paulo. São 69% dos es­tudantes, 68% dos professores e 75% dos familiares que têm essa percepção.

O número não é tão dife­rente quando a análise é da escola onde os alunos e profes­sores frequentam diariamente. Pelo menos 55% dos estudan­tes, 61% dos professores e 70% das famílias consideram a pró­pria escola com médio ou alto índice de violência.

O diretor estadual da APEOESP em Ribeirão Pre­to, Fábio Henrique Granados Sardinha, critica a falta de uma política do governo para com­bater essa questão. Ele lamen­ta, inclusive, a falta de um pro­grama implementado em 2009 a pedido da própria APEOESP, mas que caiu em desuso ou foi sendo deixado de lado: a figura do mediador de conflito.

“O governo infelizmente não responde à altura para fazer esse enfrentamento. A figura do mediador não tem mais na escola. O psicólogo, que deveria ser presencial, é online e coletivamente, não re­solve a situação também, para poder entrar e acompanhar esse aluno. Dos professores, mais de 40% sofrem violência nas escolas. Violência psico­lógica e de vários tipos. E eles se sentem impotentes, porque a escola hoje não oferece a re­taguarda necessária para que esse professor possa se sentir apoiado. Não tem profissio­nal”, dispara Sardinha.

Fábio Sardinha, diretor da APOESP, quer a volta do mediador e psicólogos presenciais nas escolas

Em sua opinião, o governo deveria, imediatamente, abrir concurso e resgatar a figura do mediador, implementan­do um plano de enfrenta­mento à questão de violência nas escolas. “Não existe um plano, não existem profissio­nais que possam resolver essa questão, é algo que aumentou muito no período pós-pande­mia. Percebemos isso nitida­mente na pesquisa que fize­mos”, acrescenta.

Na análise feita na publi­cação conjunta do Instituto Locomotiva e APEOESP, a deputada estadual e segunda presidenta da APEOESP, Ma­ria Izabel Azevedo Noronha – a Professora Bebel -, tam­bém aponta a falta do papel do mediador para ajudar a melhorar o ambiente na edu­cação pública estadual.

“Faltam funcionários nas escolas, o policiamento no en­torno das unidades escolares é deficiente e, sobretudo, não existem políticas de prevenção que envolvam a comunidade escolar. O programa de me­diação escolar, criado em 2009 pela Secretaria da Educação a partir de proposta da APEO­ESP, em que professores traba­lhavam na solução de conflitos e harmonização do ambiente escolar, foi virtualmente aban­donado. As consequências se fazem sentir no crescimento do número de casos”, analisa a deputada na publicação.

Sardinha também aponta o problema de segurança não apenas nas escolas, mas no en­torno das mesmas. “O governo, através da Polícia Militar, que seria aquela ‘proteção’ específi­ca para a escola, é insuficiente. São dois policiais que integram a Ronda Escolar, mas é uma Ronda para mais de 15 escolas. É insuficiente”, acredita.

O mesmo discernimento é demonstrado na pesquisa. Em relação ao entorno das escolas, 24% dos professores e 41% dos alunos não se sentem seguros. Esse número salta para 31% e 54%, respectivamente, quando os números tabulados são de escolas nas periferias.

Bullying
O Fórum Brasileiro de Se­gurança Pública divulgou, no final de julho, seu Anuário Brasileiro de Segurança Pú­blica. O trabalho traz dados inéditos sobre a violência nas escolas, um problema cada vez mais frequente no país, e traz um alerta: 38% dos colégios brasileiros enfrentam proble­mas com o bullying.

Dos diretores de 74 mil es­colas que responderam à pes­quisa, mais de 28 mil relataram registros de bullying. Os ques­tionários foram respondidos por escolas que participaram do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) com informações referentes a 2021.

Para Ana Paula, o bullying está na origem de praticamente todo discurso de ódio e casos de violência ocorridos dentro de escolas em todo o mundo

Para a advogada Ana Pau­la Siqueira, especialista em bullying e cyberbullying, o fato de a violência escolar ser inclu­ída no anuário do Fórum Bra­sileiro de Segurança Pública já demonstra a dimensão que o problema tomou no país.

“Quando consideramos que 38% das instituições escolares sofriam com o problema em 2021, em meio à pandemia, com muitas escolas fechadas ou em ensino híbrido, é pos­sível analisar que a retoma­da integral das aulas torna o quadro ainda mais grave hoje”, avalia Ana Paula.

Além da retomada das au­las, a especialista ainda aponta dois fatores indicativos de que o problema pode estar se agra­vando. Com aulas online em 2021, muitos casos podem não ter chegado ao conhecimen­to dos diretores de escolas ou ocorrido em redes sociais, por meio do cyberbullying. “Mes­mo que a manifestação tenha ocorrido nas redes sociais, a origem ainda é o problema de relacionamento entre agressor e vítima no ambiente escolar”, explica Ana Paula.

Para a especialista, o bullying está na origem de praticamente todo discurso de ódio e casos de violência ocorridos dentro de escolas em todo o mundo.

Ataques
Um dos dados mais pre­ocupantes, e que para Ana Paula Siqueira reflete uma das principais consequências do bullying, é o registro de um au­mento exponencial de ataques em escolas. “De 2000 a 2022, o Brasil teve 16 casos. Em 2023, somente no primeiro semestre, foram sete”, aponta.

Entre os sete, dois casos causaram maior consterna­ção no País. Um deles ocorreu no dia 27 de março, dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona Oeste da capital paulista. Um aluno de 13 anos, que cur­sava o oitavo ano da escola, entrou armado de uma faca e começou a atacar colegas e professores. Ele feriu três colegas e a si próprio duran­te os ataques. Mas também atacou uma professora. Eli­sabete Tenreiro, de 71 anos, que acabou sofrendo parada cardíaca e morreu enquanto recebia atendimento médico.

O outro caso ocorreu em uma creche, na cidade de Blu­menau, Santa Catarina. Em 5 de abril, menos de 10 dias depois da morte de Elisabete, um homem de 25 anos, com passagens por porte de drogas, lesão e danos, pulou o muro da creche Cantinho Bom Pastor, no bairro Vila Velha, na ci­dade catarinense. Armado de machadinha, ele atacou nove crianças, das quais, quatro morreram. Os pequenos ti­nham entre 4 e 7 anos de idade. Os dois casos têm em comum episódios de bullying relatados pelos agressores – não que isto seja atenuante.

“A situação se repete em quase todos os casos. O autor do ataque sofreu bullying na escola e a violência foi uma forma de vingança pelas humi­lhações sofridas”, explica Ana Paula, destacando que os da­nos para as vítimas de bullying são duradouros. “As vítimas de bullying podem desenvolver problemas psicológicos e psi­quiátricos que trarão reflexos negativos por longos perío­dos, como ansiedade, depres­são e síndrome do pânico, por exemplo”, acrescenta.

Saraiva, da APEOESP, concorda com a especialis­ta. “O bullying, quando não é identificado e tratado, com medidas sociais e disciplina­res aplicadas, caminha para uma situação de violência. O bullying já é uma violência, tem o agressor e tem a vítima. Só que a vítima, tem pesquisas que revelam isso, alguns perfis são jovens que têm o hábito de ficarem em sites violentos, na dark web. Esses jovens, com o tempo, acabam tendo cora­gem para praticar atos violen­tos. Aquele sentimento repre­sado se torna violência como aconteceram nesses locais. Todos os adolescentes que praticaram violência física, com assassinato de outros jo­vens e professores são vítimas de bullying”, adianta.

A insegurança preocupa alunos e professores dentro e no entorno das escolas

“É preciso tratar o proble­ma com ações permanentes, programas de prevenção e intervenção quando um caso é identificado. Todos os en­volvidos no ambiente escolar devem ser capacitados para lidar com o bullying, que traz consequências graves para as vítimas e para as escolas, que podem ser juridicamente res­ponsabilizadas se não tiverem um plano de ação eficien­te e documentado contra o bullying”, completa a advogada Ana Paula Siqueira.
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo foi procurada pela reportagem, mas até o fechamento desta matéria não respondeu aos questionamentos.

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