Por Adalberto Luque
O ano de 2023 foi o que mais registrou casos de ataques em escolas, desde que esse indicador começou a ser monitorado pelo Instituto Sou da Paz, em 2002. Naquela ocasião, ocorreu um ataque no ano. Em 2023 foram nove ataques a escolas, com nove mortes pelo Brasil.
Dois deles ocorreram na cidade de São Paulo, em escolas estaduais. O primeiro ataque foi registrado no dia 27 de março. Quatro professoras e um aluno foram esfaqueados dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia. O autor dos ataques foi um aluno de 13 anos, que estava cursando o oitavo ano. O adolescente chegou a ser desarmado por professoras, mas Elisabete Tenreiro, de 71 anos, que lecionava na unidade, não resistiu e morreu.
No dia 06 de outubro outro ataque. Foi na Escola Estadual Sapopemba, no bairro do Sapopemba. Um aluno de 15 anos entrou armado e disparou contra três colegas. Duas alunas, ambas de 15 anos, foram atingidas por tiros, mas sobreviveram. Já Giovana Bezerra Silva, de 17 anos, que também estudava na escola, não resistiu e morreu após levar um tiro na cabeça.
A violência tem preocupado em todo o País, de Norte a Sul. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, de janeiro a setembro de 2023 foram registrados 9.530 chamados através do Disque 100, denunciando casos de violência nas escolas. No mesmo período do ano anterior foram pouco mais de 6,3 mil. Um aumento de quase 50%.
Segundo o professor e diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), Fábio Sardinha, o medo deve continuar em 2024. Ele explica que, após o ataque à escola do Sapopemba, o governo anunciou a contratação de 1.000 vigilantes.
“Isso é uma piada. Temos 6 mil colégios estaduais, 6 milhões de estudantes. Não é sério. A medida não atende 5% da demanda. E falamos em violência física, mas é preciso ter a figura do psicólogo, para acompanhar individualmente os casos. Hoje temos um psicólogo para cada seis escolas”.
Sardinha também considera a contratação dos vigilantes intimidatória e ineficiente. “Os seguranças andam com um cacetete e um radiocomunicador pra lá e pra cá. Mas eles não podem intervir numa briga, conversar com os alunos. É uma medida ineficaz”, adianta.
O dirigente da APEOESP acusa o Estado de ele próprio praticar a violência contra alunos, professores e funcionários. “Várias escolas não têm laudo dos bombeiros. Escolas sucateadas, que usam as mangueiras dos bombeiros para lavar o piso. Que têm extintores vencidos. O governo não está comprometido. A APEOESP tem um plano de ação e estamos dispostos a conversar, mas o governo não quer diálogo”, conclui.
Bullying e ataques a escolas
De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a palavra bullying é um termo em inglês para descrever um ato de violência física, verbal e/ou psicológica, sendo intencional e repetitiva. Tal prática, na maioria dos casos, está ligada ao contexto escolar. E essa prática pode ocasionar sérios danos às vítimas da violência sofrida nas escolas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano, caracterizando a segunda maior causa de mortes entre jovens na faixa etária de 15 a 29 anos, e o bullying pode estar relacionado a essa estatística.
Mas há os casos que se manifestam de outras formas. O psiquiatra estadunidense Timothy Brewerton, estudioso nos ataques a escolas, realizou um estudo entre 1966 e 2011, onde, dos 66 ataques ocorridos no mundo, 87% dos atiradores sofreram bullying nas escolas e foram motivados pelo desejo de vingança à instituição onde passaram os piores dias de suas vidas, geralmente em silêncio.
Dados coletados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública em 2023, indicam que 37,6% dos diretores relataram, na Prova Brasil, a ocorrência de situações que podem ser caracterizadas como bullying. São Paulo é o terceiro estado do País com mais casos relatados: 50,6%, atrás apenas de Santa Catarina e Distrito Federal.
Criminalização
A advogada Ana Paula Siqueira, doutoranda em bullying digital pela PUC-SP, professora universitária e diretora da ClassNet Consultoria considera a sanção presidencial do Projeto de Lei 4224/21 um avanço na luta contra a violência envolvendo crianças e adolescentes, especialmente em contextos educacionais. Agora condutas como bullying e cyberbullying são consideradas crimes.
“Este é um avanço inicial para trazer à luz a extensão deste problema que provoca distúrbios mentais nas vítimas, deixando cicatrizes psicológicas e, frequentemente, psiquiátricas que perduram por toda a vida”, aduz a especialista.
Ana Paula observa que o cyberbullying vitimiza indivíduos 24 horas por dia, de maneira intensa na internet. Desta forma, ela acredita que, munidas de estatísticas, as autoridades poderão desenvolver políticas públicas focadas em prevenção e controle, direcionadas sobretudo para o ambiente escolar, de onde, usualmente, os casos de bullying se expandem para o ambiente virtual.
“O bullying é definido como intimidação sistemática, com ou sem violência física ou psicológica, e pode resultar em multa se não configurar crime mais grave. O cyberbullying, por sua vez, abrange a intimidação sistemática online, com penas de reclusão e multa em casos mais sérios”, elucida.
A advogada entende que agora escolas e organizações devam adotar medidas preventivas e de combate a essas práticas. “Nesse contexto, é vital que as escolas tenham um programa de combate ao bullying e programas de cultura de paz devidamente registrados e aprovados pelas autoridades competentes.”
Ana Paula defende que os pais e responsáveis devem ser proativos, cobrando das escolas a apresentação de programas de combate ao bullying e de cultura de paz, registrados e aprovados por autoridades, garantindo assim estarem em conformidade com a legislação vigente, priorizando o bem-estar dos alunos.
Os municípios, em cooperação com estados e a União, são, de acordo com Ana Paula, responsáveis por implementar protocolos de proteção nas escolas, envolvendo órgãos de segurança pública e saúde, bem como a comunidade escolar.
“As escolas precisam estar cada vez mais preparadas para lidar com o bullying, seus agressores e suas vítimas. Uma instituição que não tem o preparo necessário coloca em risco todos que fazem parte da comunidade escolar, especialmente seus alunos e deverá ser responsabilizada civil e criminalmente por suas ações e omissões”, finaliza. Na prática, tudo será notado a partir de 01 de fevereiro, quando começam as aulas na rede municipal e de 15 de fevereiro, quando começa o ano letivo na rede estadual. E no início do ano nas escolas particulares, que têm calendário não necessariamente unificado. Em Ribeirão Preto são 100 mil alunos nas escolas públicas estaduais e municipais.
Escolas municipais
A Secretaria Municipal de Educação reforça seu repúdio a qualquer ato de violência dentro de uma unidade escolar, prejudicando a rotina dos estudantes. Em nota, destaca que a segurança pública é realizada pela Polícia Militar.
“No entanto, a Secretaria Municipal da Educação está empenhada em promover ainda mais segurança nos ambientes escolares. Por isso, todas as escolas da rede municipal contam com sistemas de monitoramento interligados à Guarda Civil Metropolitana, que realiza rondas diárias em todas as unidades da rede em parceria com a Polícia Militar”, diz a nota.
Sobre bullying, a Secretaria Municipal de Educação informa que o assunto já é tratado há alguns anos, quando foi assinado convênio mantido nas escolas de ensino fundamental. “A Pasta também realiza palestras nas escolas sobre o tema, e cada docente também trabalha o assunto com os seus alunos.”
Escolas estaduais
Em nota, “a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) acompanha diariamente a rotina das escolas estaduais por meio do Programa para Melhoria da Convivência e Proteção Escolar (Conviva-SP) e trabalha constantemente para aprimorar o atendimento à comunidade escolar. A pasta possui diversos programas para segurança, convivência e melhoria do ambiente nas unidades escolares”, informa a nota.
Entre as medidas, a Seduc-SP informou que conta com 550 psicólogos que prestam atendimento às escolas. Em 2023 realizou dois processos seletivos para a contratação de 1,3 mil professores orientadores de convivência e deve ampliar o número em 2024. Também contratou, 1.000 vigilantes não armados para atuar junto a unidades escolares do estado, destinando-os de acordo com critérios como vulnerabilidade da comunidade e convivência no ambiente escolar.
“Outro reforço veio da Polícia Militar, que disponibilizou o Botão do Pânico no aplicativo da corporação para a utilização pelas escolas estaduais. O botão permite contato direto com o Centro de Operações Policiais Militares (Copom) da PM e os chamados passam a ser prioritários. A Seduc-SP também conta com a parceria da Ronda Escolar, que age voltada à segurança das unidades escolares e do perímetro escolar predefinido, de tal modo que atenda às necessidades de segurança da comunidade escolar”, conclui a nota.
FOTO 01:
Escola Sapopemba, na Capital, onde garota de 18 anos foi morta durante ataque em outubro de 2023
(Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)
FOTO 02:
Sardinha diz que governo do Estado não quer diálogo
(Foto: Alfredo Risk)
FOTO 03:
Segundo estudo, 87% dos atiradores teriam sido vítimas de bullying nas escolas
(Foto: Sumaia Vilela/Agência Brasil)
FOTO 04:
Ana Paula: “escolas precisam estar preparadas para lidar com o bullying, seus agressores e suas vítimas
(Foto: Divulgação)
FOTO 05:
Lei federal criminaliza bullying
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)