Por Daniel Batista
A partir de julho, mas talvez ainda neste mês, a bola deve voltar a rolar nos campos do futebol brasileiro e o desafio será entender e aceitar que máscaras, álcool em gel e luvas (além das de goleiro) serão tão corriqueiros quanto os gols, a bola e os árbitros. Afinal de contas, estamos muito distantes de afastar o novo coronavírus do País. A dúvida é saber se estamos preparados e como será o “novo futebol” que deve se perpetuar por um longo tempo, talvez anos.
O Estadão ouviu médicos e psicólogo do esporte para entender o que será do futebol daqui em diante. Dois pontos foram unânimes: a necessidade de uma reorganização para a realização de jogos com torcedores e também o fato de ser preciso ter muita paciência para voltarmos ao que era “antigamente”, até o surgimento do novo coronavírus.
Assim como se faz necessário em nosso dia a dia, usar máscara se tornará algo comum no esporte, apesar das restrições durante os jogos. “A retomada deve ser lenta e graduada. Treinos com grupos menores e o ideal seria que os atletas usassem máscara até mesmo durante os jogos, mas sabemos que isso é muito difícil”, disse o infectologista Jean Gorinchteyn, que trabalha no hospital Emílio Ribas e no hospital Albert Einstein, ambos em São Paulo. “Além da troca constante porque a máscara ficaria úmida muito rápido, isso poderia impactar no rendimento do atleta, quanto a sua respiração”, completou.
Divididas, carrinhos e até comemoração de gols serão inevitáveis o contato. Eliseu Alves Waldman, epidemiologista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, destaca a importância dos clubes saberem que quais atletas já foram contaminados. Embora não há 100% de certeza de que estão imunes, quem já contraiu a covid-19 possui anticorpos contra a doença, pelo menos por enquanto. “A primeira coisa para voltar o futebol é conhecer a situação da equipe. Quem está imune e quem deverá ser monitorado constantemente”, explicou o médico, que destacou. “Mas isso há custos”.
Os desencontros de informações e até as fake news são pontos que ajudam a criar a preocupação e o clima de terror entre os jogadores. “Enquanto não tiver uma organização, o futebol vai abrir um leque de incertezas em todos os envolvidos. Com o tempo, as pessoas vão começando a relaxar e voltam ao que era antes. É preciso uma normativa para auxiliar e preparar atletas e clubes para a volta”, alertou Luiz Eduardo D’Almeida Manfrinati, psicólogo do Sindicato dos Atletas de São Paulo.
DECISÃO EM CAMPO E MEDO FORA DELE – Muitos Estaduais voltarão em uma fase decisiva. No Paulistão, por exemplo, serão disputadas mais duas rodadas classificatórias e depois começa o mata-mata. E como preparar a cabeça de um jogador para o clima de decisão em meio a pandemia e depois de ficar mais de três meses sem jogar? “É complicado. Um levantamento feito por algumas faculdades mostram que a questão familiar é algo fundamental para muitos jogadores. Há o medo de infectar alguém em casa e em razão disso, é preciso haver uma pseudo-educação para os atletas se sentirem confiantes em voltar a treinar e jogar e saber que precisam estar bem para seguir adiante nas competições”, explicou o psicólogo.
O fato é que a partir de agora o normal será algo diferente do “normal de antes”. Tanto que há uma intenção da Federação Paulista de concentrar todos os times em um local específico para a disputa do Paulistão o mais rápido possível. Como uma Copa do Mundo. A ideia não conta com apoio dos médicos e psicólogo.
“É preciso seguir o protocolo em todos os jogos e ter muita disciplina. Além disso, para não correr o risco de levar doença para casa, o jogador deveria ficar 14 dias isolado após a última partida do time”, disse Eliseu. Para Jean, a medida até por ser adotada, mas não neste momento e será preciso uma avaliação regional. “Os números ainda não nos favorece. Em algumas regiões, os números parecem um pouco mais estabilizados, mas é preciso muito cuidado ainda”.
Luís Eduardo alerta para o fato de alguns atletas poderem reagir de forma negativa com a possibilidade deste confinamento. “É uma decisão controversa e polêmica. Há jogadores que podem ficar entediados, outros que ficarão tensos por não estar perto da família neste momento em que ainda não estamos 100% seguros. Enquanto não tivermos um sistema de saúde que permita ter um respaldo caso aconteça algo, ficará complicado”.
O psicólogo tem atendido vários jogadores nas últimas semanas. A maioria dos casos é de ansiedade, depressão de humor e incerteza sobre o futuro. “Esperamos que os atletas possam ver essa reportagem e saber que podem procurar o sindicato, que temos como ajudá-los”, destacou Luís Eduardo.