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MAUS-TRATOS A ANIMAIS: Desinformações e desconhecimentos em ocorrências

ALFREDO RISK

Fabiano Ribeiro

No último domingo, dia 5 de março, um caso de abando­no e maus-tratos de animal, em um estabelecimento comercial na região central de Ribeirão Preto, provocou a indignação e comoção de pessoas. O caso, amplamente discutido por apli­cativos de mensagens, propor­ciona um debate sobre o desco­nhecimento, desinformação de leis e quais atitudes devem ser tomadas pelos agentes públicos e por quem presencia situações semelhantes. Na ocorrência do final de semana o pior aconte­ceu: apesar de ter sido resgatada e tratada, a cadela, com sequelas por conta do abandono, morreu na quarta-feira. O detalhe é que, segundo a Associação Vida Ani­mal – AVA, fatos semelhantes acontecem com frequência.

A situação de abandono e maus-tratos foi presenciada por uma munícipe que transitava por uma das principais avenidas centrais da cidade. O animal, uma cadela de grande porte, es­tava prostrado e ferido, aparen­tando fome e sede.

Após a indignação e bus­cando informações de como proceder, a pessoa foi orienta­da a acionar a Polícia Militar, a Divisão de Bem Estar Animal (DBEA), órgão municipal li­gado à Secretaria Municipal de Meio Ambiente, e a ONG AVA.

Mesmo com a situação do animal constatada, a Polícia Militar não abriu o portão. Se­gundo informações que foram mencionadas nas conversas en­tre alguns envolvidos, os poli­ciais alegaram que por se tratar de um local privado, haveria a necessidade de autorização.

A advogada e vice-presi­dente da AVA, Silvane Ciocari, esteve no local. Ela conta que quando chegou ao estabeleci­mento encontrou a coordena­dora do DBEA, Danielle Giro­la, um veterinário do DBEA e um funcionário da empresa.

Tigresa, uma cadela de 15 anos, foi encontrada em situação de abandono e maus tratos. Resgatada, ela não resistiu

“Segundo informações pres­tadas, a PM disse que não pode­ria ingressar no imóvel em razão de ser um imóvel comercial, e em razão do delegado não ter autorizado a entrada. Imediata­mente, insisti e expliquei aos po­liciais presentes de que nos casos em que existir clara evidência de que está acontecendo um crime no interior da empresa, a polícia poderá ingressar, independen­te de mandado judicial. Assim sendo, a empresa foi aberta por um chaveiro, e com acompa­nhamento dos policiais, aden­tramos o imóvel e foi resgatado o animal. Toda a ação foi grava­da e acompanhada por testemu­nhas”, conta Ciocari.

O fato foi confirmado pela DBEA por meio de nota. “Em seguida foi feito boletim de ocorrência – maus tratos, com a presença de um funcionário do estabelecimento onde a ca­dela estava e da DBEA, contra o dono [do estabelecimento]”.

Na DBEA a cadela recebeu os cuidados emergenciais, porém, pela avaliação do veterinário de plantão, era necessária a inter­nação para cuidados específicos, “sendo encaminhada para cuida­dos intensivos no Vet for Pet, onde permaneceu até dia 7 de março e depois foi transferido para o Cen­tro Veterinário Prófilo”. No en­tanto, a cadela não resistiu e teve que ser sacrificada no dia 9.

A advogada explica que ago­ra o inquérito policial deverá ter andamento, e o óbito do animal pode ser agravante do crime de maus tratos, conforme a Lei 14.064, de setembro de 2020 (chamada “Lei Sansão”). Após inquérito policial o Ministério Público Estadual poderá de­nunciar ou não o proprietário do estabelecimento.

O que fazer em casos de maus tratos
Se a denúncia for fundamentada, e o crime estiver ocorrendo, deve-se acionar a Polícia Militar via telefone 190, ou ainda acionar a Polícia Militar Ambiental (16) 3996-0450.

Criminoso: caso de envenenamento de animais ocorrido no Jardim das Pedras em 2014. Gatos e cães morreram. Em destaque morador retirando o corpo de um gato – FOTOS: ALFREDO RISK/ARQUIVO TRIBUNA

Se o crime já ocorreu, mas o denunciante possui provas, fotos ou vídeos e suspeita ou confirmação de autoria, a ocorrência pode ser registrada de forma on-line, na DEPA – Delegacia Eletrônica de Proteção Animal, via site:

www.webdenuncia.org.br/depa

Como todo crime, é imprescindível que o denunciante, antes de qualquer providência, busque obter informações, fotos, vídeos, haja vista que a falsa comunicação de crime, também é figura prevista no artigo 340 do Código Penal.

Falta de conhecimento e despreparo são as principais dificuldades
A advogada e vice-presidente da Associação Vida Animal – AVA, Silvane Ciocari, aponta como prin­cipais dificuldades em casos en­volvendo maus-tratos de animais a falta de informação enfrentada pelos denunciantes e a falta de preparo das autoridades policiais para atender tais ocorrências.

“A falta de entendimento ou conhecimento da legislação que acaba levando as denúncias para as redes sociais, gerando como­ção, contudo, não é o caminho adequado para a solução do pro­blema e tampouco gera punição dos suspeitos”, explica Ciocari.

“É preciso que as ocorrências sejam verdadeiramente levadas a conhecimento das autoridades, e não somente à mídia ou redes so­ciais, utilizando os meios próprios de comunicação, principalmente via DEPA [Delegacia de Proteção Animal], ou ainda acionando o Ministério Público”, acrescenta.

A advogada salienta ser impor­tante ainda cobrar das autori­dades uma atuação efetiva no combate e punição, “inclusive estabelecendo a perda da guarda do animal e proibição de posse, que implica vedação de ter ou­tros animais sob sua tutela”.

Tendo como parâmetro o caso ocorrido no final de semana, Ciocari explica que a Polícia Militar não pode se negar a entrar no local, “pois não há qualquer ilegalidade ou abuso de autorida­de neste caso”.

“Tal conduta é lícita conforme artigo da Constituição de 1988, em seu art. 5º, inciso XI; Hipóteses Autorizadoras da entrada sem mandado judicial: flagrante delito, iminência de ocorrência de crime, desastres ou para prestar socorro. Porém, recomenda-se cautela, e que a ação seja acompanhada de testemunhas e gravada”, cita.

“[Há] despreparo da polícia para lidar com situações desta natureza, o que acaba resultando em uma resposta frequente do tipo ‘não podemos fazer nada, não pode­mos retirar o animal, inclusive em razão de não haver local para levá-lo’”, finaliza a advogada.

Receio em denunciar
A diretora da AVA, Cristina Dias, acrescenta que muitas pessoas que presenciam ou iden­tificam um ato de maus tratos muitas vezes desistem, ou por receio em não querer se envolver no conflito. Ela alerta que nesses casos a denúncia anônima seria a saída. Quando não souber o que fazer, Dias lembra que enti­dades de proteção e comissões de defesa animal, como da OAB, por exemplo, podem ajudar.

A reportagem do Tribuna Ribeirão entrou em contato com a Secre­taria da Segurança Pública de São Paulo pedindo informações quanto a atuação da PM nos casos de maus-tratos animais, mas até o fechamento da edição não obteve retorno.

DBEA também recebe denúncias
A Divisão de Bem Estar Animal (DBEA), ligada à Secretaria do Meio Ambiente, também recebe denúncias de maus-tratos e abandonos pelo telefone 3628-2778.

Além disso, a DBEA realiza trabalho educativo junto à sociedade civil para conscientização do bem estar animal, promovendo a conscientização da população sobre a guarda responsável. A DBEA fica na avenida Eduardo Andrea Matarazzo (Via Norte), nº 4.255.

Onde reclamar/denunciar
Polícia Militar: 190
Polícia Ambiental: rua Peru, 1.472 – Vila Mariana, Ribeirão Preto
Telefone: (16) 3996-0450
Em caso de animais silvestres, IBAMA: (16) 3610-1174.
Disque-Denúncia Animal (Estado de São Paulo): 0800 600 6428
Registro na Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (DEPA): www.webdenuncia.org.br/depa
Divisão de Bem Estar Animal (DBEA): 16 3628-2778

Conheça a Lei Sansão
Animais vivendo em locais inapropriados e repletos de sujeira, acor­rentados ou aprisionados em espaços muito pequenos, sem água e comida, machucados ou mutilados. Estes são alguns exemplos de maus tratos e que se enquadram na Lei 1.095/2019, também conhecida como Lei Sansão.

A legislação abrange animais silvestres, domésticos ou domestica­dos, nativos ou exóticos e prevê pena de reclusão de dois a cinco anos para prática de abuso e maus tratos, além de multa e proibição da guarda. A nova lei cria um item específico para cães e gatos.

A lei prevê prisão de até cinco anos para quem praticar abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação a animais.

O nome da lei é em referência a um caso de repercussão nacional. Em julho de 2020, o pitbull Sansão foi amarrado com arame farpado e teve as duas pernas traseiras decepadas. O caso aconteceu em Confins, Região Metropolitana de Belo Horizonte.

O agressor de Sansão foi denunciado pelo Ministério Público dois meses após o ato. Depois, o caso foi transferido da Justiça Comum para a Criminal.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem, no Brasil, 29 milhões de domicílios com cães e 11 milhões, com gatos.

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