Fabiano Ribeiro
No último domingo, dia 5 de março, um caso de abandono e maus-tratos de animal, em um estabelecimento comercial na região central de Ribeirão Preto, provocou a indignação e comoção de pessoas. O caso, amplamente discutido por aplicativos de mensagens, proporciona um debate sobre o desconhecimento, desinformação de leis e quais atitudes devem ser tomadas pelos agentes públicos e por quem presencia situações semelhantes. Na ocorrência do final de semana o pior aconteceu: apesar de ter sido resgatada e tratada, a cadela, com sequelas por conta do abandono, morreu na quarta-feira. O detalhe é que, segundo a Associação Vida Animal – AVA, fatos semelhantes acontecem com frequência.
A situação de abandono e maus-tratos foi presenciada por uma munícipe que transitava por uma das principais avenidas centrais da cidade. O animal, uma cadela de grande porte, estava prostrado e ferido, aparentando fome e sede.
Após a indignação e buscando informações de como proceder, a pessoa foi orientada a acionar a Polícia Militar, a Divisão de Bem Estar Animal (DBEA), órgão municipal ligado à Secretaria Municipal de Meio Ambiente, e a ONG AVA.
Mesmo com a situação do animal constatada, a Polícia Militar não abriu o portão. Segundo informações que foram mencionadas nas conversas entre alguns envolvidos, os policiais alegaram que por se tratar de um local privado, haveria a necessidade de autorização.
A advogada e vice-presidente da AVA, Silvane Ciocari, esteve no local. Ela conta que quando chegou ao estabelecimento encontrou a coordenadora do DBEA, Danielle Girola, um veterinário do DBEA e um funcionário da empresa.
“Segundo informações prestadas, a PM disse que não poderia ingressar no imóvel em razão de ser um imóvel comercial, e em razão do delegado não ter autorizado a entrada. Imediatamente, insisti e expliquei aos policiais presentes de que nos casos em que existir clara evidência de que está acontecendo um crime no interior da empresa, a polícia poderá ingressar, independente de mandado judicial. Assim sendo, a empresa foi aberta por um chaveiro, e com acompanhamento dos policiais, adentramos o imóvel e foi resgatado o animal. Toda a ação foi gravada e acompanhada por testemunhas”, conta Ciocari.
O fato foi confirmado pela DBEA por meio de nota. “Em seguida foi feito boletim de ocorrência – maus tratos, com a presença de um funcionário do estabelecimento onde a cadela estava e da DBEA, contra o dono [do estabelecimento]”.
Na DBEA a cadela recebeu os cuidados emergenciais, porém, pela avaliação do veterinário de plantão, era necessária a internação para cuidados específicos, “sendo encaminhada para cuidados intensivos no Vet for Pet, onde permaneceu até dia 7 de março e depois foi transferido para o Centro Veterinário Prófilo”. No entanto, a cadela não resistiu e teve que ser sacrificada no dia 9.
A advogada explica que agora o inquérito policial deverá ter andamento, e o óbito do animal pode ser agravante do crime de maus tratos, conforme a Lei 14.064, de setembro de 2020 (chamada “Lei Sansão”). Após inquérito policial o Ministério Público Estadual poderá denunciar ou não o proprietário do estabelecimento.
O que fazer em casos de maus tratos
Se a denúncia for fundamentada, e o crime estiver ocorrendo, deve-se acionar a Polícia Militar via telefone 190, ou ainda acionar a Polícia Militar Ambiental (16) 3996-0450.
Se o crime já ocorreu, mas o denunciante possui provas, fotos ou vídeos e suspeita ou confirmação de autoria, a ocorrência pode ser registrada de forma on-line, na DEPA – Delegacia Eletrônica de Proteção Animal, via site:
Como todo crime, é imprescindível que o denunciante, antes de qualquer providência, busque obter informações, fotos, vídeos, haja vista que a falsa comunicação de crime, também é figura prevista no artigo 340 do Código Penal.
Falta de conhecimento e despreparo são as principais dificuldades
A advogada e vice-presidente da Associação Vida Animal – AVA, Silvane Ciocari, aponta como principais dificuldades em casos envolvendo maus-tratos de animais a falta de informação enfrentada pelos denunciantes e a falta de preparo das autoridades policiais para atender tais ocorrências.
“A falta de entendimento ou conhecimento da legislação que acaba levando as denúncias para as redes sociais, gerando comoção, contudo, não é o caminho adequado para a solução do problema e tampouco gera punição dos suspeitos”, explica Ciocari.
“É preciso que as ocorrências sejam verdadeiramente levadas a conhecimento das autoridades, e não somente à mídia ou redes sociais, utilizando os meios próprios de comunicação, principalmente via DEPA [Delegacia de Proteção Animal], ou ainda acionando o Ministério Público”, acrescenta.
A advogada salienta ser importante ainda cobrar das autoridades uma atuação efetiva no combate e punição, “inclusive estabelecendo a perda da guarda do animal e proibição de posse, que implica vedação de ter outros animais sob sua tutela”.
Tendo como parâmetro o caso ocorrido no final de semana, Ciocari explica que a Polícia Militar não pode se negar a entrar no local, “pois não há qualquer ilegalidade ou abuso de autoridade neste caso”.
“Tal conduta é lícita conforme artigo da Constituição de 1988, em seu art. 5º, inciso XI; Hipóteses Autorizadoras da entrada sem mandado judicial: flagrante delito, iminência de ocorrência de crime, desastres ou para prestar socorro. Porém, recomenda-se cautela, e que a ação seja acompanhada de testemunhas e gravada”, cita.
“[Há] despreparo da polícia para lidar com situações desta natureza, o que acaba resultando em uma resposta frequente do tipo ‘não podemos fazer nada, não podemos retirar o animal, inclusive em razão de não haver local para levá-lo’”, finaliza a advogada.
Receio em denunciar
A diretora da AVA, Cristina Dias, acrescenta que muitas pessoas que presenciam ou identificam um ato de maus tratos muitas vezes desistem, ou por receio em não querer se envolver no conflito. Ela alerta que nesses casos a denúncia anônima seria a saída. Quando não souber o que fazer, Dias lembra que entidades de proteção e comissões de defesa animal, como da OAB, por exemplo, podem ajudar.
A reportagem do Tribuna Ribeirão entrou em contato com a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo pedindo informações quanto a atuação da PM nos casos de maus-tratos animais, mas até o fechamento da edição não obteve retorno.
DBEA também recebe denúncias
A Divisão de Bem Estar Animal (DBEA), ligada à Secretaria do Meio Ambiente, também recebe denúncias de maus-tratos e abandonos pelo telefone 3628-2778.
Além disso, a DBEA realiza trabalho educativo junto à sociedade civil para conscientização do bem estar animal, promovendo a conscientização da população sobre a guarda responsável. A DBEA fica na avenida Eduardo Andrea Matarazzo (Via Norte), nº 4.255.
Onde reclamar/denunciar
Polícia Militar: 190
Polícia Ambiental: rua Peru, 1.472 – Vila Mariana, Ribeirão Preto
Telefone: (16) 3996-0450
Em caso de animais silvestres, IBAMA: (16) 3610-1174.
Disque-Denúncia Animal (Estado de São Paulo): 0800 600 6428
Registro na Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (DEPA): www.webdenuncia.org.br/depa
Divisão de Bem Estar Animal (DBEA): 16 3628-2778
Conheça a Lei Sansão
Animais vivendo em locais inapropriados e repletos de sujeira, acorrentados ou aprisionados em espaços muito pequenos, sem água e comida, machucados ou mutilados. Estes são alguns exemplos de maus tratos e que se enquadram na Lei 1.095/2019, também conhecida como Lei Sansão.
A legislação abrange animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos e prevê pena de reclusão de dois a cinco anos para prática de abuso e maus tratos, além de multa e proibição da guarda. A nova lei cria um item específico para cães e gatos.
A lei prevê prisão de até cinco anos para quem praticar abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação a animais.
O nome da lei é em referência a um caso de repercussão nacional. Em julho de 2020, o pitbull Sansão foi amarrado com arame farpado e teve as duas pernas traseiras decepadas. O caso aconteceu em Confins, Região Metropolitana de Belo Horizonte.
O agressor de Sansão foi denunciado pelo Ministério Público dois meses após o ato. Depois, o caso foi transferido da Justiça Comum para a Criminal.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem, no Brasil, 29 milhões de domicílios com cães e 11 milhões, com gatos.