Por Antonio Gonçalves Filho
Há anos, São Paulo convive com o espectro do que foi um dia o edifício Dumont-Adams, no ponto central da Avenida Paulista, ao lado de seu maior cartão-postal, o Museu de Arte de São Paulo (Masp). Projetado para ser uma extensão do museu, ele finalmente sai do papel após todo esse tempo abandonado.
O diretor-presidente do Masp, Heitor Martins, e o presidente do Conselho do museu, Alfredo Setubal, anunciaram ao Estadão a retomada das obras, paralisadas desde 2013 por uma disputa judicial com o patrocinador inicial, a empresa de telefonia Vivo, que virou parceira na construção – objeto de negociações com os órgãos de patrimônio, pois se encontra na área envoltória do Masp, protegido em todas as instâncias, embora o Dumont-Adams, prédio de luxo, não fosse tombado.
O novo prédio do museu, que será batizado com o nome do seu primeiro diretor artístico, o crítico e marchand italiano Pietro Maria Bardi (1900-1999), terá 14 andares e será ligado ao Masp por uma passagem subterrânea, aumentando em 6.945 m² sua área.
Nele, serão instaladas galerias, salas de aula, reserva técnica, laboratório de restauro, restaurante, loja, áreas de evento e bilheteria. A capacidade de abrigar mais visitantes foi pensada como uma estratégia para fazer do Masp – que passa a ser chamado pelo nome da arquiteta que o projetou, Lina Bo Bardi (1914-1992) – um museu do futuro, reforçando seu papel como referência internacional, segundo Heitor Martins.
A instituição já ostenta o melhor acervo de arte europeia do Hemisfério Sul e será uma das mais modernas infraestruturas museológicas das Américas. De fato, poucos museus nessa região do globo têm uma coleção como a do Masp, que cobre praticamente todos os séculos da arte europeia – de Botticelli a Picasso, o museu abriga telas de Bosch, El Greco, Goya, Ingres, Manet, Matisse, Monet e Van Gogh, entre outros. São mais de 14 mil obras, entre pinturas, esculturas, objetos, fotografias, vídeos e vestuário de diversos períodos. Essas peças não são produtos exclusivos da Europa. O Masp tem obras africanas, asiáticas e americanas. Há alguns anos, elas foram avaliadas pela Sotheby’s em mais de US$ 1 bilhão.
O projeto arquitetônico do novo prédio, uma coautoria de Júlio Neves com o escritório Metro Arquitetos Associados, dos sócios Martin Corullon e Gustavo Cedroni, vai custar R$ 180 milhões e será totalmente financiado por doações de pessoas físicas. “Viabilizar a construção do anexo por meio de doações resulta do novo modelo administrativo do Masp, que conta com a sociedade civil”, observa Heitor Martins. “As famílias doadoras entenderam o significado de fazer uma doação sem incentivos da Lei Rouanet”, conclui Alfredo Setubal, presidente do Conselho do Masp.
O presidente do Conselho do Masp acredita que a expansão do museu “consolida a Avenida Paulista como o mais importante eixo cultural do Brasil”. Com previsão de entrega para 2024, o edifício Pietro Maria Bardi, que será ligado por um túnel ao histórico prédio projetado por Lina Bo Bardi, terá em seus 14 andares sete galerias (cinco expositivas e duas multiúso), representando um aumento significativo da área do Masp destinada a exposições.
Ao final da reforma, a área total do Masp será de 17.680 m² (hoje, são 10.485 m²). “Vamos aumentar em 66% a capacidade expositiva do museu com a interligação entre os dois prédios”, diz Setubal.
Por limitações físicas, pouco mais de 1% do acervo do museu é exposto atualmente (apenas 200 das 14 mil peças). A expansão vai trazer aos visitantes a oportunidade de contato com obras guardadas na reserva técnica do museu há décadas, pois alguns espaços (como o atual restaurante) vão virar galerias expositivas após a construção do túnel que vai ligar o Masp e o prédio novo. O acervo do museu cresceu de modo significativo nos últimos anos, revela o diretor-presidente Heitor Martins.
“Mais de 700 obras foram incorporadas em nossa administração, doadas ou cedidas em comodato com possibilidade de doação definitiva, caso de 275 fotos históricas modernistas do Foto Cine Clube Bandeirante.” Entre os comodatos, estão obras da pintora Tarsila do Amaral (1886-1973) pertencentes ao Banco Central (Porto, 1953) ou cedidas por particulares, caso da tela Composição (Figura Só, 1930), propriedade do colecionador e administrador de empresas Ronaldo Cezar Coelho, maior acionista da BR Distribuidora.
O plano do presidente do Masp, Heitor Martins, é reservar o edifício Lina Bo Bardi para a exposição das obras que pertencem à coleção do museu. As novas galerias do edifício Pietro Bardi deverão ser ocupadas com exposições temporárias.
No novo edifício, os pavimentos junto ao piso da Avenida Paulista serão transparentes, dialogando com o vão-livre do prédio original ao lado. Os andares superiores serão revestidos com chapas metálicas perfuradas e corrugadas, sem dificultar a vista da paisagem ou a entrada de luz natural através de aberturas, de acordo com as necessidades dos espaços internos.
A expansão do museu foi idealizada por Júlio Neves, arquiteto que ocupou o cargo de presidente do Masp por 14 anos, de 1995 a 2009. Na década de 1990, Neves foi responsável pela reforma do museu de Lina Bo Bardi, que incluiu a instalação da reserva técnica e a renovação do sistema de ar condicionado. Foi também quem desenvolveu o projeto inicial para um anexo, que sofreu alterações para obter a aprovação dos órgãos de patrimônio histórico.
A nova diretoria, que assumiu em 2014, enfrentou muitos problemas para sanar as questões jurídicas e a falta de recursos que paralisaram as obras do novo prédio, conta Heitor Martins. “O projeto original de Neves previa a instalação de um mirante com o logotipo da Vivo, mas a Lei Cidade Limpa inviabilizou o projeto”, lembra. O prédio estava hipotecado para a Vivo, que passou, segundo Martins, a integrar o quadro de parceiros na retomada das obras.
De qualquer forma, o projeto original é bem diferente do atual, a cargo da Metro Arquitetos. “Faltava o conceito museológico”, acrescenta Heitor Martins. “As sete galerias, por exemplo, não têm pilares para atrapalhar a exposição das obras”, revela. A interligação entre elas vai permitir a promoção de grandes mostras monotemáticas que exigem uma comunicação entre os espaços expositivos. “Muitos museus se recusam a emprestar obras se as condições não forem consideradas adequadas, mas isso não vai acontecer com o novo prédio, que será uma referência em matéria de controle de umidade, segurança das obras e local para desembarque das peças”, garante Alfredo Setúbal.
Parte fundamental do projeto, a interligação subterrânea entre os dois edifícios será feita sob a Rua Prof. Otavio Mendes – já autorizada pela Prefeitura de São Paulo. “Devemos muito ao falecido prefeito Bruno Covas pela sua ajuda e compreensão do projeto”, lembra Setubal. Outra transformação no aspecto atual do Masp é a transferência da bilheteria para o prédio Pietro Maria Bardi, liberando o vão-livre e devolvendo a este espaço (que pertence à Prefeitura) sua utilização como praça pública, como era o desejo de Lina Bo Bardi desde que idealizou a atual sede do Masp.
O diretor-presidente do museu, Heitor Martins, chama a atenção para a singularidade do projeto do novo prédio. “Não queríamos que ele replicasse a arquitetura de Lina Bo Bardi, mas que fosse complementar e funcional.” A Metro Arquitetos, que deu forma final aos cavaletes de cristal concebidos pela arquiteta nos anos 1960 e definiu a nova expografia do museu, vai revestir as paredes externas do prédio Pietro Maria Bardi de uma delicada película que permitirá ampla visibilidade.
A fachada dupla que protege o edifício da radiação solar vai diminuir a carga térmica interna. A malha metálica permite que uma camada de ar se forme entre o edifício e a fachada externa, criando um microclima, aliviando o sistema de ventilação e, consequentemente, o consumo de energia.
“Mais do que uma expansão, estamos construindo um museu para o futuro”, diz Alfredo Setubal. De fato, o trabalho do Masp vem sendo reconhecido internacionalmente, como comprova a mostra Histórias Afro-Atlânticas (2018), eleita pelo jornal norte-americano The New York Times como uma das melhores daquele ano. Agora é esperar pela inauguração da retrospectiva da surrealista Maria Martins (1894-1973) dia 27, que deve seguir o mesmo caminho.
Histórico
– Origem: Construído entre 1950 e 1958, o edifício Dumont-Adams foi comprado em 2005 pelo Masp com patrocínio da Vivo.
– Paralisação. O prédio foi remodelado com uma torre/mirante, que foi vetada pelo Patrimônio Histórico de SP. A obra está paralisada desde 2013.
– Orçamento: Projeto original iria custar R$ 15 milhões. O novo vai custar R$ 180 milhões.
– Prazo de entrega: Prédio será entregue no início de 2024.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.