Tribuna Ribeirão
Cultura

Marcos Palmeira e a vida, sem pressa, na lida no campo

Por Danilo Casaletti, especial para o Estado

Na novela Renascer, de Benedito Ruy Barbosa, exibida pela primeira vez em 1993, o ator Marcos Palmeira era João Pedro, o filho rejeitado do coronel José Inocêncio, papel de Antonio Fagundes. Sem o título de “doutor” ostentado pelos irmãos, João se dedicava à lida na fazenda de cacau do pai, na Bahia. Matuto, vivia com o facão na cintura, cuidando da plantação. O personagem parecia mais um caso de ficção na carreira do ator carioca, nascido na zona sul do Rio de Janeiro, em uma família ligada à cultura – ele é filho do produtor e cineasta Zelito Viana e sobrinho do ator e humorista Chico Anysio (1931-2012). Mas, sem clichê algum, a vida imitou a arte, e Palmeira acabou se aproximando das questões do campo: há 23 anos, é proprietário do Vale das Palmeiras, fazenda de 220 hectares em Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, na qual produz hortaliças e laticínios orgânicos.

A primeira tentativa do ator em se dedicar a uma propriedade rural foi nos anos 1990, quando partiu para a Bahia para cuidar da fazenda Cabana da Ponte, em Itororó, no sudeste do Estado, de seu avô materno, Sinval Palmeira, advogado e deputado cassado pela ditadura militar de 1964. Na época, a plantação de cacau sofria com a vassoura-de-bruxa, uma praga capaz de produzir perdas severas na colheita – fato retratado também em Renascer.

“Sempre me senti muito carioca, mas eu era mais da experiência, das idas à floresta do que da academia. E, por coincidência, ao longo da carreira, me chamaram para fazer personagens ligados ao mato, à terra. Lembro que aprendi muito com o João Pedro, inclusive sobre a vassoura-de-bruxa. Por diferenças familiares, não consegui implementar o que eu queria na fazenda do meu avô”, diz Palmeira, em entrevista por telefone ao Estadão, diretamente da “roça” em Teresópolis, onde passa a quarentena.

Foi então que ele juntou as economias e encontrou a propriedade na qual instalou o Vale das Palmeiras que, na época, produzia apenas hortaliças. Animado com o que via brotar no chão, distribuía a produção para amigos e família. Mas algo lhe parecia estranho: os funcionários não consumiam as verduras. “Fui perguntar o motivo e eles me disseram que o solo estava cheio de veneno (agrotóxicos).”

O ator, então, juntamente com o amigo Rildo de Oliveira Gomes, que ele trouxe da Bahia (e que acabou morto em um assalto anos depois), resolveu conhecer os conceitos de agricultura orgânica e da agrofloresta. Fizeram da propriedade um celeiro de alimentos saudáveis, com o solo recuperado em cerca de 1 ano e meio. “Não sou radical, como carne, inclusive, mas defendo uma alimentação mais saudável, com produtos feitos sem produtos químicos em sua origem. Até porque eu achava que me alimentava superbem, mas, na verdade, não era bem isso”, diz Palmeira.

Atualmente, o foco do Vale das Palmeiras é o laticínio orgânicos, com 40 hectares dedicados à produção, 11 funcionários diretos, 120 cabeças de gado – 38 delas dando 600 litros de leite por dia. Entre os produtos, estão os iogurtes, queijos tipos cottage e minas frescal e a ricota. O gado é tratado com homeopatia. A mastite – inflamação das mamas das vacas -, com banhos de óleos, como o de copaíba.

A produção até poderia ser maior, mas Palmeira confessa que não é ele quem manda nisso. “Aqui é a vaca quem ‘diz’ se está bom, se a quantidade é essa mesma. Os animais são respeitados”, afirma o ator, que faz parcerias com pequenos produtores para, por exemplo, o fornecimento dos morangos para o iogurte ou para o mel que leva sua marca. Há ainda o chocolate, feito com cacau orgânico, vindo da fazenda de seu avô, que agora é tocada por seu pai, Zelito, que, inspirado pelo filho, adotou a produção sustentável por lá.

Durante a quarentena, Palmeira tem estado mais perto da produção e viu as vendas, feitas por e-commerce, crescerem 20% neste período – de fato, dados da Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis) mostram que a procura por orgânicos no varejo cresceu 50% no primeiro semestre do ano.

Sustentabilidade

“As pessoas estão mais preocupadas com uma vida mais saudável, com a imunidade. É uma boa hora para pensarmos nessas questões. A pandemia nos mostrou que o futuro é agora”, diz. As hortaliças e os queijos são distribuídos em Teresópolis e em alguns pontos no Rio de Janeiro – o selo de laticínios da fazenda tem abrangência estadual. Palmeira, que já teve uma loja física no Leblon por cinco anos, fechada em 2018, busca parcerias para que seus produtos cheguem a outros Estados. “Queria muito tentar ter novamente um ponto físico, mas, depois da pandemia, fico pensando se compensa, se as pessoas não vão preferir, daqui para frente, comprar tudo pela internet.”

Atuante no setor (ele faz parte do conselho do Instituto Brasil Orgânico, que tem como vice-presidente a apresentadora Bela Gil), ele vê com preocupação as notícias de liberação de registros de agrotóxicos por parte do Ministério da Agricultura. “Nos anos 1950, já existia o discurso de que era preciso usar agrotóxico para que a produção aumentasse, para evitar a fome. Passado todo esse tempo, nós ainda vemos a fome pelo mundo. Ou seja, não é esse o movimento correto. O ideal seria o investimento na agricultura familiar, mas isso não acontecerá nesse governo”, diz, em defesa da economia sustentável.

O aumento do desmatamento e das queimadas na região amazônica também preocupa o ator, que, aos 16 anos, viveu por dois meses na aldeia indígena São Marcos (MT), habitada por xavantes – dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no dia 1º de agosto mostram que o mês de julho fechou com uma alta de 28% no total de focos de incêndio na floresta, em comparação com o mesmo mês do ano passado. “O governo passa a mensagem de que tudo é permitido. Os índios deveriam ser tratados a pão de ló, são eles que ajudam a preservar a floresta ”

Sobre os preços dos produtos orgânicos, geralmente acima dos não certificados como tal, Palmeira diz que a produção, por todos os cuidados, é cara e menos competitiva. Além disso, segundo ele, faltam incentivos e linhas de créditos para os pequenos produtores. Ele aconselha que os consumidores procurem feiras que vendam produtos exclusivamente orgânicos e que peçam para ver o certificado. “Já estamos acostumados a mostrar. Isso leva confiança para quem compra.”

Enquanto o mundo não volta ao normal, Palmeira aguarda que produções já prontas das quais participou sejam lançadas, como os filmes Boca de Ouro, de Daniel Filho, no qual ele faz o protagonista, e O Barulho da Noite, de Eva Pereira. Sem contrato fixo com a TV Globo, ele, que fez o personagem Amadeu, em A Dona do Pedaço (disponível online no Globoplay), no ano passado, ainda não tem data para voltar à TV. Está também em Torre de Babel, produção de 1998 que acaba de chegar ao Globoplay, como Alexandre (namorado de Sandrinha, interpretada por Adriana Esteves). Nesse meio tempo, segue – sem pressa – na lida no campo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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