Há um ano, Geraldo Azevedo fez um animado show de frevos em São Paulo. Depois, foi para a casa de Chico César, que estava na plateia. Passaram horas tocando violão juntos, enquanto era servido um baião de dois (“No sertão é rubacão”, ressalta Chico). Um interferiu no que o outro tocava, abrindo novas possibilidades para as canções. Aquele encontro, pensaram eles, não poderia ficar restrito à sala de estar de Chico.
É esse clima de intimidade e interação que os dois querem preservar quando “Violivoz” cair na estrada. O show que reúne Geraldo e Chico vai rodar o Brasil a partir do segundo semestre. Em São Paulo, a apresentação está prevista para 8 de agosto, no Teatro Bradesco. Apesar de se encontrarem pela primeira vez em uma turnê, os dois se conhecem há quase 30 anos. Em meio à repercussão da chacina da Candelária, Carlos Bezerra, o Totonho do projeto Totonho & Os Cabra, organizou um disco em homenagem a meninos de rua.
Geraldo foi chamado para cantar uma música de Chico e ouviu uma gravação preliminar do compositor. “Senti que o violão dele era especial”, conta Geraldo. A pedido dele, Chico foi para o Rio de Janeiro e participou da faixa. O projeto idealizado por Totonho não veio à luz e, algum tempo depois, Chico lançou o primeiro álbum, “Aos Vivos”, captado em um show de voz e violão. Geraldo ouviu, viajou para São Paulo e procurou Chico para comprar alguns CDs diretamente dele.
“Levei duas caixas, saí dando os discos para as pessoas, até na Suíça e na França. Essa coisa de voz e violão me representa. Ele fez um disco muito original e fiquei na expectativa de ver o trabalho dele em andamento”, relembra. Chico acompanha a carreira de Geraldo desde o início. Foi na casa de um dono de armazém nos arredores de Catolé do Rocha, cidade da Paraíba onde Chico nasceu, que ele escutou com amigos Alceu Valença & Geraldo Azevedo (1972), o trabalho de estreia de ambos, além de ter contato com a obra dos Novos Baianos e do Quinteto Violado.
“Eles mostraram que era possível para jovens do interior do nordeste fazerem música”, afirma Chico, que depois se tornou funcionário de uma loja de LPs e acompanhou com atenção os artistas nordestinos que chegavam com força, inclusive comercial, no mercado fonográfico. Ao lado de nomes como Alceu, Belchior e Elba Ramalho, Geraldo fez parte dessa geração. Ele diz que, como não houve um rótulo para defini-los, a importância deles ainda não foi devidamente reconhecida.
“Acho que esse movimento nordestino foi mais abrangente que o tropicalismo. A gente sempre esperou um prosseguimento. Chico, Lenine e Zeca Baleiro deram continuidade a ele”, ressalta Geraldo. A dupla ainda está montando o repertório do show, que será centrado em composições de ambos, algumas conectadas pela temática e pelo estilo. Chico diz que “Pensar em Você”, dele, é uma música que nasce de “Dia Branco”, sucesso de Geraldo. As duas têm cadência parecida e foram feitas na mesma tonalidade, ré maior. Dois xotes, “Deus me Proteja” e “Moça Bonita”, também se integram.
Para Chico, as músicas ganharam novo aspecto com a união do violão dele e de Geraldo. “É importante que o público abra mão da forma que ele nos conhece isoladamente em algumas canções. Tem gente que vai falar, ‘ah, mas Bicho de 7 Cabeças II não é assim’. Agora é”. Nos primeiros encontros para definir como seria o show, surgiu uma nova música. Enquanto Geraldo mostrava uma melodia no violão, Chico fez uma letra para o que se tornou “Tudo de Amor”.
“É sobre trazer tudo de amor que você tem dentro de si para oferecer a vida ao outro, e levar amor mesmo onde não houver amor. É um pouco sobre o nosso tempo, mas com um a perspectiva muito alegre, até ingênua”, define Chico sobre a canção inédita. Torturado durante a ditadura militar, Geraldo já se manifestou em entrevistas contra o atual governo e Chico gravou no ano passado o disco “O Amor é um Ato Revolucionário”. Uma das músicas, o reggae “Pedrada”, fala sobre “cães danados do fascismo”. Em “Violivoz”, porém, a causa deles é outra.
Segundo a dupla, é um show que pretende exaltar a figura do “cantautor”, que compõe e interpreta as próprias músicas. Chico afirma que hoje a atitude e a postura do artista chamam mais atenção do que a música que ele está fazendo. “Queremos que o Brasil escute muito esse tipo de canção. Não apenas por nós, que temos nosso espaço, mas pelos novos ‘cantautores’. Sinto que eles estão cada vez menos estimulados. Às vezes parece que importa mais a hashtag, o groove, o lugar de fala, do que a canção em si.”