Adriana Dorazi – especial para o Tribuna
Quando nem mesmo a Justiça consegue obrigar o convênio médico privado a respeitar os direitos de uma paciente com doença rara e degenerativa, o apelo pela vida chega à imprensa. Na última semana a redação do Tribuna Ribeirão recebeu a mensagem aflita de Jacqueline Dutra de Souza, de 26 anos, que tem Atrofia Muscular Espinhal (AME).
Cliente da Sermed Saúde, em Sertãozinho, desde o nascimento, Jaqueline acusa o plano de não garantir a ela tratamento completo. Luta diariamente contra a perda de força muscular gradativa da doença. Conta que por muitos anos recebeu diagnóstico errado, o que agravou a condição física dela.
“A vida toda fui tratada como se tivesse Distrofia Neuro Muscular Espinhal. E por acaso, em 2020, me deparei com um laudo de 1998 que dizia que tinha AME. Achei estranho e resolvi investigar. Refiz o teste genético em 2021, foi confirmada a AME e desde então começou a minha saga em busca do tratamento certo”, relata.
A paciente diz que recebe alguns produtos e serviços do convênio, mas não tudo que precisa. Atualmente tem assistência em casa (home care) com fisioterapia. Mas já chegou a ficar um ano sem sessões de fonoaudiologia e outras prescrições médicas. “Decidi entrar com o processo judicial porque negociar amigavelmente estava difícil. Minha liminar de tutela antecipada saiu no dia de Natal ano passado, mas o convênio não deu sinal de vida”, denuncia.
Em janeiro desse ano o prazo dado pela Justiça foi de 24h para o cumprimento. Foi quando Jaqueline conseguiu a fonoterapia, aparelho respiratório e dieta enteral. Mas ainda falta a enfermagem durante todo dia, aspirador com bateria, neurologista com especialidade em doenças neuromusculares, fisioterapia com especialista em escoliose, entre outros atendimentos.
Quem cuida de Jaqueline é a mãe, D. Cleide, que mesmo sem conhecimentos de enfermagem é movida por amor e coragem. De acordo com a família a disputa também inclui pressão do convênio para o fornecimento de uma dieta que não seria a ideal. “Estamos pagando tudo do bolso. E em razão da minha condição, recebo um salário mínimo de benefício do INSS e todo ele já é comprometido com as contas da casa. Faço trabalhos freelancer, mas não tenho nada fixo e até minha advogada já me ajudou financeiramente por causa dessa questão da alimentação e outras pessoas também”, revela.
Solidariedade e esperança
Jaqueline conta com a ajuda da amiga e advogada Patrícia Domiciano. Não é ela quem representa a paciente na Justiça, mas faz parte da rede de apoio do tratamento. “Reconheço que sou muito privilegiada por ter essa rede de apoio que me ampara e se move de todas as formas que podem para não me deixar desamparada. Sinto muito e fico pensando naqueles que não tem nem isso, que deveria ser a base”, lamenta.
Sente revolta ao destacar que precisa fazer rifas para conseguir o que necessita, mas que na verdade seria obrigação do convênio. “Não estou pedindo nada além do que é meu, por direito. Minha advogada já fez petição, já fez denúncia e tudo o que estava ao alcance dela, já tem parecer favorável, mas não há andamento”, lamenta.
Ela questionou se a Sermed já recebeu alguma punição pelos descumprimentos, mas não obteve resposta. Diz que não precisa receber multa, mas tratamento digno. “Quantas pessoas mais eles devem conseguir vencer, não por Justiça, mas sim pelo cansaço! Esse processo não é só sobre mim, é sobre todos aqueles que têm seus direitos violados por desinformação e também porque acontecem essas tentativas de fazer a gente desistir”, protesta.
Silêncio sobre o caso
Jaqueline perdeu os movimentos dos braços aos 13 anos, depois de muitas internações e quando já dependia de sonda para se alimentar. Aos 18 a atrofia paralisou os joelhos, já havia escoliose (encurtamento da coluna causado por uma curvatura lateral) e desvio na mandíbula. Relembra que nunca teve direito a operar pelo convênio e depende de suporte para todas as atividades diárias.
A lista de necessidades é grande, entre medicamentos, aparelhos, atendimentos. Como a multa ao convênio pelo descumprimento não é alta Jaqueline teme nunca ter acesso à estrutura adequada. De acordo com a advogada da paciente, no processo o convênio silenciou inicialmente e depois questionou se realmente há necessidade da estrutura solicitada.
A multa foi de R$ 30 mil para R$100 mil, depois R$ 150 mil com recursos da operadora. Mantido o descumprimento já pedido da família de reembolso, majoração de multa e apuração do crime de desobediência. O andamento mais recente do caso, já neste mês de junho, é a manifestação favorável do Ministério Público para deferimento da totalidade dos pedidos de Jaqueline.
À reportagem do Tribuna Ribeirão a Sermed Saúde também silenciou. Foram feitas três tentativas de contato, por telefone, site oficial e e-mail, sem retorno até o fechamento desta edição. Enquanto o imbróglio judicial se arrasta, Jaqueline perde o bem mais precioso: tempo de vida. “No fim das contas, quem paga o prejuízo financeiro, mental, físico e emocional de tudo isso?”, conclui com um questionamento com peso de desabafo.