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Lupicínio Rodrigues e a dor de cotovelo

Dor de cotovelo era um termo muito usado numa época em que nossas noites abrigavam grandes boêmios. Conheci muitos deles. O maior mestre em compor canções que faziam apaixona­dos afogar as mágoas abandonados por seus amores, e a gasta­rem o cotovelo no balcão de um bar foi Lupicínio Rodrigues.

Cantei na noite muitos anos. Só no Ponto Chic, todas às sextas e sábados, soltei o gogó por 16 anos. Entre os clientes de carteirinha lembro-me bem do Hamilton Mortari. Che­gava com a esposa no começo da noite e mandava ver numa loura bem gelada, alguns beliscos. Depois chegavam alguns amigos e ele começava a pedir para que eu cantasse seus can­tores preferidos.

Bem mais tarde, ele pedia: “Buenão, cante Lupicínio pra mim, sugiro que a primeira seja ‘Cadeira vazia’.”. Eu o atendia com prazer. Depois, sem que Mortari pedisse, eu cantava o que mais gostava do compositor, e todas eram do agrado dele.

Lupicínio nasceu em Porto Alegre, em 19 de novembro de 1914. Já adolescente passou a frequentar rodas de samba, aprendendo com os mais velhos a tocar vários instrumen­tos, mas seu preferido era o violão. Compôs sambas canções como “Ela disse-me assim”, “Felicidade”, “Volta”, “Cadeira Vazia” e muitas outras.

Teve três paixões em sua vida: música, bar e mulheres. Com a música conseguia conviver tranquilamente, mas com as outras duas o bicho pegava. Suas paixões não aceitavam sua vida de boêmio, então o quiproquó estava formado. Era difícil a convivência. Por frequentar a noite desde muito cedo, virou homem de muitos amores e suas músicas eram inspira­das nas bolas que ele levava nas costas (heheheeh).

Bastava um motivo e lá ia Lupicínio compor uma música, certa vez compôs “Brasa”, canção que ninguém estava enten­dendo, até que ele abriu o jogo dizendo que fez a música para a esposa de seu irmão que era uma fera, não dava mole para seu mano. Mal sabia ele que se casaria com uma mais brava que a do irmão.

Seu maior intérprete foi Jamelão, que com seu vozeirão fez Lupicínio e seu estilo samba canção ficarem conhecidos nacio­nalmente. Isso despertou o desejo de outros cantores como Ciro Monteiro e Elza Soares, que gravou dele “Se acaso você chegasse”, um samba maravilhoso que canto até hoje em rodas de samba.

Este samba rendeu um causo interessante, até porque Elza Soares gravou e nem por foto conhecia o compositor, foi suces­so no Brasil de Norte a Sul. Um belo dia, Lupicínio saiu de sua Porto Alegre e foi até o Rio de Janeiro conhecer a cantora de sua música. Elza cantava numa casa noturna, ele muito tímido não foi até ela, mas mandou vários recados através do garçom, solici­tando a presença da cantora em sua mesa. Ela não foi.

Depois de algum tempo, Lupicínio levantou-se, chegou na beira do palco e disse, sorrindo. “Elza, eu sou Lupicínio Rodri­gues”. Ela, espantada, pulou do palco e o abraçou por muito tem­po, agradeceu a ele e depois, de volta ao microfone, o anunciou como autor de seu grande sucesso. O salão inteiro o aplaudiu.

Quero encerrar prestando homenagem a outro destruidor de cotovelos: o grande boêmio, cantor e compositor Evaldo Gou­vêa, que antes de fazer parceria com Jair Amorim e compor os maiores sucessos de Altemar Dutra, pertenceu ao famoso “Trio Nagô”. Evaldo, num show na cidade de Conservatória (RJ), gra­vou um CD ao vivo, eu tenho este CD. Na gravação, ele conversa muito com o público, convida o povo a cantar com ele. Tem um momento em que ele diz: “Pra cada mulher que amei, eu compus uma música”. O público faz silêncio e ele fecha: “Já compus 750 músicas”. Aí o público vai ao delírio.

Abreijos amigos, Sexta conto mais.

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