Um dos textos que mais me impactou nas últimas semanas foi o publicado pelo El País, de autoria de Eliane Brum, cujo título é mesmo chocante: “Doente de Brasil”. Para quem não conhece, Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros Coluna Prestes – o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. No texto do El País, ela faz uma brilhante análise sobre a situação política que estamos vivendo, partindo da constatação de que o presidente de plantão não é um simples louco, mas um verdadeiro perverso. E até pede desculpas encarecidas aos loucos, pela nomeação injusta e preconceituosa.
Vivemos em Ribeirão Preto, uma “cidade dos homens”, plagiando Santo Agostinho. Uma cidade concreta e palpável, e que mostra indicadores econômicos e sociais cada vez mais chocantes. Refiro-me à cidade para lembrar que seus eleitores, para superar esta quadra de desalento, optaram pelo suicídio coletivo nas últimas eleições, assim como fizeram a maior parte dos eleitores do país. Aqui em Ribeirão, nada mais que 72,27 % dos eleitores votaram em Jair Bolsonaro para presidente. A maioria deles hoje está em silêncio diante das consequências nefastas desse voto. Silêncio estarrecedor. Mas o que tem Eliane Brum a ver com uma escolha considerada livre e soberana do nosso povo?
Será que os eleitores foram também levados à loucura, em uma simbiose com o seu “mito”? E só perceberam isso depois que se deram conta do engano por uma agenda de verdadeira destruição de tudo o que construímos de civilização até hoje? Também admito que aqui não existe loucura, mas tão somente uma mentalidade pervertida que se impôs diante da polarização regada pela ignorância nos últimos anos. Para Eliane Brum, o Brasil está nas mãos de um perverso escudado e defendido por outros perversos e oportunistas, submetidos a um cotidiano dominado pela autoverdade, “fenômeno que converte a verdade numa escolha pessoal e, portanto, destrói a possibilidade da verdade”, como afirma Brum.
Por incrível que pareça, a autoverdade começou a ser notada até nos consultórios médicos. Ela dividiu famílias, destruiu amizades e corroeu as relações em todos os espaços da vida e posso falar isso até por experiência própria. Isso ocorria ao mesmo tempo em que a crise econômica se agravava e se deterioravam as condições de trabalho. Ela acirrou-se enormemente a partir de uma campanha eleitoral baseada no incitamento à violência. Com um presidente que governa a partir da administração do ódio, a doença não dá sinais de arrefecer. A percepção é de crescimento do número de pessoas que se dizem “doentes”, sem saber como buscar a cura.
Admitir que o presidente capitão faz parte do jogo democrático normal é o mesmo que admitir que Hitler e Mussolini fizeram o que fizeram dentro do jogo democrático. As instituições democráticas estão resistindo ao desastre autoritário de Bolsonaro. Isso é fato. E precisamos de um alerta máximo diante de um governo que se despe escancaradamente de qualquer compromisso com a democracia e com a liberdade. “Não dá para tratar o que vivemos como algo que pode ser apenas gerido, porque não há como gerir a perversão. Ou o que mais precisa ser feito ou dito por Bolsonaro para perceber que não há gestão possível de um perverso no poder? Bolsonaro não é ‘autêntico’. Bolsonaro é um mentiroso”, afirma Brum com toda razão.
Devemos discutir como chegamos a ter um presidente que usa, como estratégia, a guerra contra todos que não pensa como ele e o seu clã. Como chegamos a ter um presidente que mente sistematicamente e seus fieis signatários continuam afirmando que essas mentiras são verdades. É necessário partir do conhecimento que a experiência brasileira está inserida num fenômeno global, que se reproduz em diferentes países com particularidades próprias.Esse esforço de compreensão do processo e de interpretação dos fatos é mais do que necessário. Mas é necessário também responder ao que está nos adoecendo aqui e agora, antes que esta doença nos mate.