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Longa ambientado na 1ª Guerra mostra jornada de jovem em busca de pelotão

Por Luiz Zanin Oricchio

Quando foi exibido no Festival de Roterdã, Mosquito foi definido de maneira sintética como “um filme de guerra sem guerra sobre um soldado sem exército”. Perfeito. Mosquito é isso mesmo, uma obra de gênero fora da curva, de todas as curvas. No entanto, tem base real em casos contados pelo avô do diretor João Nunes Pinto. Histórias de família podem ser bem um ponto de início de reflexão sobre grandes catástrofes, como são as guerras. Basta apenas lembrar que 1917, de Sam Mendes, também foi inspirado no que contava o avô do diretor sobre sua presença nas trincheiras da 1ª Guerra Mundial.

As coincidências não acabam aqui. Também a história de Mosquito – em cartaz na 44ª Mostra – é a de um soldado engajado na 1ª Guerra (1914-1918), o sangrento conflito que, para o historiador britânico Eric Hobsbawm, é o verdadeiro fecho do século 19. Em sua barbárie, encerra a belle époque europeia e dá início ao século 20, chamado por ele de “a era dos extremos”.

Nesse ambiente, Zacarias (João Nunes Monteiro) é o rapaz de 17 anos que deseja aventurar-se numa guerra que julga romântica e alista-se no exército. Sonha combater em território francês, mas, como o soldado não é dono de si, é enviado para Moçambique, na África. Portugal manda tropas para defender sua então colônia de possíveis ataques alemães.

Zacarias apresenta-se e toma contato com o cotidiano duro de um soldado. Seu antagonista, mas talvez mentor, é o sargento Justino (João Lagarto), durão, cínico e cético, que irá reencontrar Zacarias apenas no final da história. E em circunstâncias nada convencionais.

O jovem soldado logo contrai malária e fica incapacitado para a luta. É deixado para trás por seu destacamento. Com a febre, vive entre a realidade e a alucinação. Esse registro – o da realidade incerta, do sonho desperto – será adotado no desenho narrativo da obra. Torna-se ainda mais evidente quando Zacarias for atravessar o país, sozinho, para buscar seu pelotão.

Ao longo desse percurso feito a pé, ainda doente, mal armado e mal ajambrado, Zacarias faz sua iniciação no continente africano Então, temos a melhor parte desse “filme de guerra sem guerra”. É quando o ainda adolescente vai encontrando pessoas e vilas em seu percurso, tentando se entender com gente que não fala seu idioma e da qual ele não compreende os costumes. Mosquito é, também, um filme sobre o amadurecimento em situações extremas. Sobre o processo de tornar-se adulto dessa quase criança que foi para a guerra movido por ideias românticas.

Ele descobrirá que pouco lirismo existe neste mundo e não apenas porque terá de enfrentar um sargento durão em seu primeiro contato com a vida militar. Fome, frio, calor, desejo sexual e uma inesperada amizade – com alguém que também não fala português – serão partes do percurso de amadurecimento de Zacarias.

Mosquito é um trabalho muito sofisticado do ponto de vista formal. Os diálogos são raros, quase inexistentes, até mesmo pela barreira de línguas que o protagonista encontra em seu caminho.

Desse modo, o diretor João Nunes Pinto aposta tudo na força das imagens, na ambientação tanto fascinante quanto amedrontadora da paisagem africana. E também no excelente trabalho do personagem, que envelhece ao mesmo tempo que amadurece. Uma transformação física em contato com o sofrimento que lembra a de outro garoto precocemente devastado pela guerra, o protagonista do grande épico Vá e Veja, do russo Elem Klimov.

Há muitas outras entradas possíveis para leitura desse filme ambíguo e encantador. Pode-se, por exemplo, ver na trajetória de Zacarias uma alusão à debilidade precoce de Portugal em terras africanas, bem antes das guerras de libertação colonial. É também um filme sobre a amizade e como esta pode nascer nas situações mais imprevistas. Fala da iniciação sexual numa condição de estranhamento que lembra muito algumas sequências de Satyricon, de Federico Fellini.

Enfim, pode-se devanear sobre esse filme surpreendente e muito rico de sentidos. E pensar que, no fundo dele, reside a absoluta falta de sentido da guerra, o sofrimento inútil já evocado em tantos filmes e outras tantas manifestações artísticas e também numa das obras-primas do mestre português Manoel de Oliveira, Non – A Vã Glória de Mandar.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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