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Literatura em transição

Está disponível, nas livrarias a obra do romancista brasileiro Julián Fuks, “A Ocupação”. Conhecido pelo lançamento de seu livro anterior “A Resistência”, obra que venceu três prêmios Jabuti (melhor romance e li­vro do ano, em 2016, e melhor livro brasileiro publicado no exterior, em 2019). O livro “A Resistência” foi premiado na Alemanha com tradução na França, na Espanha.

“A Ocupação” é um livro que se distingue por tratar, a um só tempo, de um dos problemas sociais mais graves que o Brasil enfrenta: a falta de moradias e, de outro lado, por captar situações pessoais que normalmen­te passariam despercebidas para a maioria dos sociólogos.

“A Ocupação” tem por pano de fundo a ocupação de prédios em São Paulo no ano de 2016 sendo lançado três meses depois. O fato de Julián Fuks ter escrito seu romance em São Paulo só acrescenta o valor de todas as referências às diversas ocupações de prédios abandonados que ocorreram na Capital em determinado período histórico e se repetem em outras cidades do País.

O autor recorre à introdução de enigmáticos ocupantes dos prédios abandonados. São referências aos diferentes moradores que formam a escala dos personagens da obra, para iluminar o passado e o desejo de uma vida digna dessas pessoas, sempre para projetar a condição huma­na.

O autor afirmou: “Penso que é tempo de uma literatura política. A política tem tomado diversas instâncias das nossas vidas, e assim seria arbitrário e insincero exigir que ela ficasse de fora da literatura. Mas uma literatura política não precisa ser dogmática ou panfletária.

Pode con­ceber a política de maneira mais ampla, e aí justamente convém pensar as múltiplas maneiras em que o pessoal tem se feito político, e o político tem se feito pessoal. A política tem invadido os domínios da intimidade, e há algo a explorar nesse choque de espaços à primeira vista díspares”.

Como reconheceu o grande escritor Mia Couto, dirigindo-se a Julián, “o mundo que nasce da tua escrita e dos teus livros é bem maior que as cir­cunstâncias políticas que nos cercam. A literatura deve afirmar a sua própria soberania e inventar aves que, por sua vez, inventam um outro céu”.

Não posso deixar de acentuar que esta obra é resultado de um trabalho de mentoria com o notável escritor moçambicano Mia Couto, um dos principais autores africanos de língua portuguesa, com mais de trinta livros, entre poesia e prosa, dentre os quais a consagrada Terra Sonâmbula, considerado um dos doze melhores livros africanos do século XX.

Mia Couto aceitou, com Julián, o convite da marca de relógios Rolex para participar de um programa de mentoria: encontros entre um autor mais experiente e outro mais jovem. Julián sempre foi um admirador de Mia Couto. “Ele sempre foi capaz de fazer o que eu ambicionava: escapar da própria vida para falar do outro, deixar a escrita sincera na experiên­cia para poder ficcionalizar”, disse Julián.

A leitura do livro “A Ocupação” nos conduz a diálogos memoráveis, na autoficção que faz o narrador, Sebastián, identificar-se com Julián, ou afastar-se dele, numa mescla de pura ficção e autoficção. São estórias pessoais? A memória da família na Argentina, a internação do pai com quem mantém diálogos profundos, seriam passagens da ficção ou da realidade? A mulher que não consegue ter filhos, as conversas com os moradores dos prédios em ruínas seriam reais?

Essas reflexões, que figuram nas páginas do livro “A Ocupação”, per­mitem ao leitor a aproximação de uma literatura moderna que de modo otimista nos convida a reflexões sobre problemas sociais e políticos que perduram por séculos e talvez cancelem algumas certezas que fogem de nossa preocupação.

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