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Liberdade de expressão para as mentiras?

No nosso último artigo (22/01), falamos das mentiras sobre as vaci­nas, divulgadas principalmente em redes sociais. É o chamado movi­mento antivacina, presente em todo o planeta mas que, no Brasil, encon­tra respaldo no bolsonarismo de raiz. Seus últimos ataques foram contra a imunização das crianças, condenando uma tradição de campanhas que já deu exemplo para o mundo. O pior é que o nível de escolaridade dos pais e mães é inversamente proporcional à intenção de vacinarem suas crianças. Concluímos que a educação precisa ser relativizada como responsável única pela formação de corações e mentes das pessoas.

Hoje, queremos discutir mais as fake news, ou seja, as mentiras que ganham relevância pública, pois sempre refletem algo sobre coisas ou estados de coisas, presentes em percepções e preocupações de natureza coletiva. Vamos dar um exemplo das últimas eleições presidenciais e que se transformou em um meme: a mamadeira de piroca! Não foi a sua extravagância, a improbabilidade e a implausibilidade que fizeram com que essa falsa notícia viralizasse, mas os medos e visões de mundo que foram acionados como alegoria por esse objeto fálico absurdo. Tratou-se, sem dúvida, de uma representação.

Seria até fácil convencer alguém que tenha aceitado e compartilhado a história dessa mamadeira de piroca de que isso era uma mentira, mas, muito provavelmente, não teria o mesmo sucesso em convencê-la de que discutir a sexualidade das crianças e o papel da escola na educação sexual, era coisa sem importância. Como também seria mais difícil dissuadí-la de que as transformações sociais e culturais no campo da se­xualidade deveriam fazer parte das pautas dos candidatos a presidente. Podemos dizer o mesmo para outras fake news relacionadas às questões de diversidade, pluralidade, justiça e direitos.

É por aí que podemos compreender as fake news como poderosos instrumentos de propaganda digital: elas não têm a função de apenas disseminar um boato, uma mentira, mas de representar, pautar e, até mesmo, construir um problema social racionalmente inexistente. E quem é que oferece a solução para esse problema? Quem a produz! No campo específico da política, enquanto o alvo das fake news investe toda a sua energia para demonstrar a falsidade daquela informação, acredi­tando que o problema está no crédito que a sociedade vai lhe dar, o seu produtor discute o problema que ela cria e se oferece como solução.

Em função de tudo que estamos falando, é bom que algumas questões fiquem bem claras. As fake news quase sempre são produzidas por profis­sionais e empresas remuneradas com dinheiro público (lembra do gabinete do ódio?) e/ou privada com o objetivo de conseguir benefícios particulares em prejuízo do interesse público e contra as instituições. O STF tem sido um dos alvos principais, quando falamos dessas instituições. Assim, não se trata de imunizar os receptores de mentiras com a nossa verdade. Há necessidade de se combater as fábricas de mentiras. E isso é trabalho da justiça e da polícia.

Não sou generoso com essa tal liberdade de expressão que se sobrepõe aos interesses e direitos coletivos. Se há comportamentos e campanhas contra a ciência que induzem a condutas que colocam a coletividade em risco, cabe sim ao Estado e às autoridades do governo de se contraporem. Se a circulação de desinformação continua produzindo desorientação, confusões e propaganda negacionista, cabe ao Estado produzir sanções, constrangimentos e punições. A defesa do interesse coletivo e do bem comum deve garantir a continuidade do nosso pacto civilizatório.

Quebéc, no Canadá, deu um ótimo exemplo! O passaporte da vacina foi exigido ali para o consumo de bebidas e de maconha, que é liberada por lá. Outras medidas fiscais foram implementadas. Isso fez a taxa da vacinação subir mais de 300%. Como disse o ministro da saúde de Quebéc, Christian Dubé: “Se eles não conseguem se proteger, nós os protegeremos deles mesmos”. Simples assim! É o que deveríamos fazer aqui também com os nossos anti­vacinas. Sancioná-los, constrangê-los e, no extremo, puni-los! Afinal, a vida de todos e de cada um de nós é mais importante do que as mentiras des­ses alucinados. Mas estamos no Brasil de Bolsonaro e não no Canadá!

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