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Lembrando Sócrates

Nas minhas orações diárias, além de rezar pelos meus que já partiram, oro também por músicos com quem tive a felici­dade de conviver, e também para amigos queridos. Entre eles está Sócrates, que uma noite se manifestou no centro espírita que frequentava. Ele me levou até lá, e nesse dia tornei-me espírita. Quem recebeu o espírito de Sócrates foi o médium Renato, e o Magrão falou coisas lindas e agradeceu as orações, afirmando que recebia todas e que lhe faziam muito bem. Foi muito rápido e depois fez um pedido: “Promovam o amor, façam caridade”. Repetiu este pedido várias vezes, eu muito emocionado só agradecia ter vivido aquele momento.

Por onde ando, as pessoas que gostavam dele sempre dão um jeitinho de me perguntar algo sobre sua vida, ou se eu sabia tal coisa, e eu sempre procuro satisfazer seus fãs. Só­crates sempre tratou com carinho quem o abordava, e depois comentava comigo: “Buenão, a gente nunca deve decepcionar um fã.” Ele era assim mesmo, abraçava mendigos, convida­va para a nossa mesa e sempre que alguém o criticava pra mim, eu passava pra ele, que dizia: “Buenão, ninguém chuta cachorro morto.”

Faz uns dois anos, lá no Clube de Regatas, conversando com o amigo Kiki, ele me contou que alugou um apartamen­to na praia de Pitangueiras, no Guarujá, e notou que pelos cômodos, principalmente na sala, havia coisas do Sócrates. Voltando a Ribeirão Preto, foi conversar com o dono do apartamento, Doutor Stefanelli. Durante o bate papo, Kiki perguntou ao doutor: “O senhor deve ser muito fã do Sócra­tes, né, doutor?”

“Por que?”, devolveu o doutor, e Kiki continuou. “É que vi no apartamento muitas coisas do Sócrates como troféus, pequenas estátuas, quadros e outras coisa mais.” O doutor sorriu e disse que havia comprado o apartamento de Sócrates. Quando o Magrão foi contratado pelo Santos, o apê veio na negociação e quando ele se mudou, deixou lá muitas coisas que preservava. Sócrates era assim mesmo, não era apegado a nada, principalmente bens materiais. Tentei locar este apar­tamento pra ver o que ainda tinha nele, mas, segundo Kiki, já foi vendido.

Também já ouvi tantas mentiras ditas por quem acha que sabe muito do Sócrates que até faço de conta que acredito. Uma vez, estava numa praia de Caraguatatuba e, por acaso, perto dali estavam várias pessoas de Ribeirão Preto. Um senhor com mais de 60 anos arrastou uma cadeira pra perto de mim e foi logo falando: “Sabe, Bueno, eu morava numa chácara lá no Condomínio Ciprestes, na Estrada do Piripau, bem perto da do Sócrates, e ele tinha dois enormes cachorros, um se chamava ‘Chope’ e o outro ‘Cerveja’.”

Segundo este cidadão, “Chope” e “Cerveja” davam enorme trabalho pra ele, que era o síndico, pois os animais sempre fugiam do cercado, assustando a todo mundo. Esbocei um sorriso de descrédito, pois frequentei a chácara do Sócrates com minha esposa e meus filhos por mais de dez anos. O Doutor nunca teve cachorros lá, quem tinha era o caseiro, mas eram pequenos vira-latas que a ninguém assustava. Pen­sei em desmentir o sujeito, mas resolvi que seria melhor fazer de conta que era verdade essa estória.

Essa chácara me traz lembranças memoráveis. Uma vez, o ex-jogador e médico Tostão esteve lá com sua equipe de TV entrevistando Sócrates, e o Magrão pediu pra eu levar meu violão. Passamos o dia numa gostosa cantoria. Eu ali, com dois dos meus ídolos, dois craques, dois médicos, um violão e muita música. O que eu poderia querer mais?

Sexta conto mais.

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