Tribuna Ribeirão
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Leite, café e devaneios 

Rui Flávio Chúfalo Guião * 
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Esperando o forno de micro-ondas aquecer a xícara de leite, me peguei pensando no privilégio que temos em poder receber, em casa, vários alimentos fundamentais para nossa saúde. 
 
O leite é um deles. Que longo caminho é percorrido, desde a plantação do capim, a introdução de várias vacas, a coleta diária do produto,  – hoje através de instrumentos modernos e controlados eletronicamente -, o armazenamento em contêineres refrigerados, o envio para o laticínio, a pasteurização ( necessária para eliminar quaisquer bactérias ), a separação das gorduras para o feitio da manteiga, da ricota, do requeijão, dos queijos, a embalagem em práticas caixas de papelão, o processo que permite guardar o líquido sem refrigeração. Tudo realizado em tempo e hora. 
 
Quando criança, era comum encontrarmos, na  beira das porteiras, os latões característicos da coleta feita de madrugada, que eram recolhidos por caminhões e encaminhados aos laticínios. 
 
Nas cidades, havia um sistema de entrega de garrafas de vidro com o leite. O leiteiro as trazia e deixava na porta das casas, recolhendo as vazias, do dia anterior. Ninguém mexia. Nas cozinhas, era indispensável uma  panela para ferver o leite, com um dispositivo interno que impedia o transbordo do produto fervendo. 
 
Nas visitas às fazendas,era comum louvarmos a possibilidade de tomar o leite quente, recém retirado nos currais, prática que encantava os citadinos e escondia o enorme perigo de engolirmos juntos sujeira, bactérias, fungos. Alguns levavam conhaque para batizá-lo. Muitas famílias tinham o hábito de receber em casa, na cidade, o leite colhido na madrugada. 
 
O café é outro produto fácil. Encontrado em cápsulas, moído ou em grão, que podem ser processados em máquinas e moedores modernos. 
 
Também é longo o seu caminho, desde o preparo da terra, a adubação, a plantação, a espera pela primeira e parca safra, os cuidados de limpeza das eiras, o controle de pragas. Depois, a colheita, hoje já feita por máquinas, a separação dos grãos, a secagem, a torra, a embalagem que preserva o aroma e o sabor e sua distribuição para armazéns e supermercados. 
 
Quando menino, tínhamos uma máquina de torrar café, um cilindro de chapa de zinco, que girava à  mão, em cima de uma grande estrutura de ferro, onde se colocava o carvão. O cilindro era enchido por uma portinhola deslizante e por ali controlado o ponto da torra. Era preciso grande prática, para que o café atingisse o ponto certo. Se passasse, o café teria um gosto ruim. Mas, em qualquer hipótese, a casa se enchia do cheiro gostoso. Os vizinhos sabiam que estávamos torrando o grão. 
 
Indispensável era o moinho de moer o café, de ferro, geralmente atarraxado à borda da mesa e movido por uma grande manivela. Tinha, no centro, um recipiente onde se colocava o grão torrado. 
 
Não me lembro de quando esta máquina torradeira foi aposentada, nem de  quando começaram a surgir os pacotes de café moído,  tornando os velhos moinhos em peça de colecionadores. 
 
Há alguns anos, num evento em escola paulistana de meus netos Frederico e Guilherme, fui perguntado se sentia saudade dos tempos passados. Respondi que não, pois apesar de tê-los vivido muito bem, prefiro o conforto que a vida moderna oferece. 
 
* Advogado e empresário, é presidente do Conselho da Santa Emília Automóveis e Motos e Secretário-Geral da Academia Ribeirãopretana de Letras 

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