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Leis para organizar o caos

Em 16 de novembro de 2022 entrou em vigor na União Europeia a nova legislação que regula o fornecimento de conteúdo e de serviços na Internet, conhecida como DSA (sigla em inglês do Ato dos Serviços Digitais). Até 2024, todas as nações integrantes já terão adaptado a sua própria regulação com a nova norma europeia, que tem foco principal na atuação das “gigantes” do negócio e é considerada ampla e rígida.

Google (YouTube), Apple, Microsoft (Bing, chatGPT) e Meta (Facebook, What­sApp e Instagram), entre outras 19 empresas fornecedoras de serviços na Internet, atingem o limite de mais de 45 milhões de usuários ativos na União Europeia a cada mês, dez porcento ou mais da população do bloco e estão obrigadas a prestar contas de suas atividades. Abaixo desse limite, cada país membro terá sua própria legislação, mais branda, regulando essas empresas menores. As empresas infratoras das regras previstas no DSA estão sujeitas a multas de até seis por cento de seu fatu­ramento e, no caso de reincidência frequente, podem ter os serviços suspensos.

Mesmo fora da União Europeia, o Reino Unido, está adotando o DSA como modelo para criar a sua própria legislação, o Online Safety Bill (Ato de Segurança Online), com foco especial nas mídias sociais e na proteção das crianças. Poucos dias atrás o Congresso estadunidense anunciou que está iniciando debates para a criação de uma lei regulatória para as big-techs e deve aposentar a sua frouxa lei conhecida como Section 230.

Cito aqui trecho do artigo publicado eletronicamente em 14 de feverei­ro de 2023 no sítio Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), assinado pela Advogada Carolina Xavier Santos (Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa, pesquisadora no Legal Informatics Laboratory (DTI-BR) e no Instituto Legal Grounds):

“Aprofundando o modelo adotado pela Lei Alemã para a Melhoria da Aplicação da Lei nas Redes Sociais (NetzDG), o diploma utiliza-se do instituto da autorregulação regulada, que se baseia em duas características principais: o estabelecimento de parâmetros, advindos do interesse público, a serem seguidos; e a participação do objeto a ser regulado (os atores privados) na implementação desses parâmetros, considerando sua posição privilegiada quanto à expertise e ao domínio da tecnologia”.

Como se vê a regulamentação europeia não é uma forma de censura estatal, ao contrário, busca o consenso entre o interesse público, aquele já definido em leis e a autorregulamentação definida pelas próprias empresas. Mas aqui no Brasil, o que provoca a reação das big-techs ao Projeto de Lei 2.630, é previsão de responsabiliza­ção civil conjunta entre os autores de publicações falsas ou criminosas e as empresas, caso elas permitam que a publicação seja contínua ou impulsionada. Lembre-se que a responsabilização civil já é prevista na Constituição Brasileira. Sem a regulamenta­ção, as empresas têm uma brecha legal para evitar processos criminais ou cíveis. Esta é a principal disputa que acontece na discussão do projeto na Câmara Federal. Nada tem a ver com censura prévia ou cerceamento da liberdade de expressão.

Na prática, o Projeto de Lei 2.630 busca colocar a atuação das plataformas digi­tais dentro da legislação brasileira, coisa que não acontece hoje. Qualquer um pode comprar impulsionamento em uma delas e mentir sobre qualquer assunto, divulgar notícias inverídicas ou incentivar outras pessoas a cometerem crimes. Para elas é o mesmo que uma pessoa divulgar e impulsionar uma receita de pudim. Pagou, pode falar ou fazer o que quiser. E os atingidos pela publicação que vão chorar em lugar quente, elas não têm nada a ver com isso. Mas, mexer com as big-techs significa cutucar onça com palito de dentes. A reação é imediata e feroz, como vimos nas últimas semanas. Deputados andam dizendo que foram avisados que se votarem a favor do projeto, no futuro publicações elogiosas a ele serão simplesmente ignoradas e jogadas para o fim da fila. As desfavoráveis virarão tops em segundos. Quem tem mandato eleitoral sabe bem o que isso significa em época de eleição.

No mundo todo e em todas as áreas, apenas a autorregulamentação se mostrou ineficaz e precisou de ajustes legais. Apenas dizer que está fazendo a coisa certa não é resposta para o problema do impulsionamento de notícias falsas. Em alguns casos custou muito caro para as empresas e risco para consumidores e ci­dadãos. A onipresença de um órgão estatal, para ditar regras e arbitrar o conteúdo disponibilizado pelas redes também não é solução e pode tornar-se instrumento de perseguição política pelos donos temporários do poder. Minha opinião é que o modelo europeu é uma boa forma de se abordar uma nova legislação.

Combinar autorregulamentação e supervisão por autoridade do Estado brasileiro, seja ela uma agência ou um conselho, que reuniria representantes da sociedade civil e dos três poderes poderia ser boa uma resposta. Do jeito que está, com clima de reunião de condomínio falido não se chega a lugar nenhum. Só favorece a quem propositalmente insiste na conversa fiada de que liberdade de expressão é passaporte para vilipendiar adversários políticos, divulgar atos criminosos e defender estados totalitários. Esses, sim, são inimigos do pensa­mento alheio e da palavra crítica. E, de uma forma quase exata, são inimigos da Humanidade, como a História já mostrou.

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